Com o intuito de chamar a atenção da população sobre a importância da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDDPD) está promovendo a Campanha Setembro Verde, que reforça a importância da acessibilidade e da inclusão social que possibilita dar a todas as pessoas os mesmos direitos e oportunidades. A Campanha tem como objetivo central tornar o mês de setembro referência na luta pelos direitos da pessoa com deficiência. O mês foi escolhido por ser comemorado, no dia 21 de setembro, o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.
O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência foi instituído por movimentos sociais, em 1982, com o objetivo de promover e debater a inclusão social, porém, a data só foi oficializada no Brasil pela Lei nº 11.133 em 14 de Julho de 2005.
O Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (CMPD) de Juazeiro lançou uma Carta Aberta exigindo a revogação da Lei 14.176/2021, que alterou critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) para reduzir gastos públicos e manter a austeridade fiscal às custas das pessoas com deficiência. A nova lei é fruto da conversão da Medida Provisória 1023/2020, que se propôs a regulamentar dois dispositivos da Lei Brasileira de Inclusão (LBI): o auxílio-inclusão (art. 94) e os critérios de miserabilidade e vulnerabilidade para acesso ao BPC (art. 105).
Carta na íntegra
A armadilha do governo federal com a Lei 14.176 de 22 de junho de 2021 é o maior ataque aos direitos das pessoas com deficiência e pessoas idosas dos últimos anos!
No Dia Nacional de Luta dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Setembro Verde, o Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (CMPD) lança uma Carta Aberta exigindo a revogação da Lei 14.176/2021, referente às mudanças do BPC e Auxílio-Inclusão.
A Lei 14.176/2021 alterou critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) para reduzir gastos públicos e manter a austeridade fiscal às custas das pessoas com deficiência. A nova lei é fruto da conversão da Medida Provisória 1023/2020, que se propôs a regulamentar dois dispositivos da Lei Brasileira de Inclusão (LBI): o auxílio-inclusão (art. 94) e os critérios de miserabilidade e vulnerabilidade para acesso ao BPC (art. 105).
A majoração do critério objetivo de renda per capita para acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma luta histórica de diversos movimentos sociais, desde a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, que estabelece o valor da renda per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo. Uma vez que tal condição não é suficiente para retratar a condição social do indivíduo e sua família, devido à obsolescência do critério objetivo e o seu recorte excludente.
Para além da discussão da renda, temos a afronta ao que foi outra conquista do Movimento das Pessoas com Deficiência, a garantia de uma avaliação biopsicossocial da pessoa com deficiência, previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU, 2007), a qual passou a ter valor constitucional, a partir de sua adesão pelo Estado brasileiro.
O Projeto de Lei de Conversão nº 10 de 2021, originário da MP 1023/2020 prevê justamente o inverso, a redução da avaliação da deficiência em seu aspecto biomédico e a redução tecnológica da avaliação biopsicossocial a cálculos matemáticos, ferindo o pacto Internacional com a ONU e se configurando, portanto, inconstitucional.
Problema 1: limitação da renda per capita
Se antes, em casos excepcionais (em razão da Ação Civil Pública no STF - ACP 5044874-22.2013.404.710/RS), o BPC podia ser concedido para pessoa (com deficiência ou idosa) cuja família tivesse renda per capita igual ou superior a ¼ do salário mínimo, portanto sem um teto de valor, sendo necessário apenas comprovação do comprometimento da renda familiar com gastos relacionados à saúde. A nova lei fixou a renda per capita máxima da família do/a requerente em no máximo meio salário mínimo.
Problema 2: critérios excludentes que dificultam acesso ao BPC
Ainda no campo das excepcionalidades, a Lei nº 14.176/2021 impõe à pessoa idosa, além da necessidade de comprovar o comprometimento da renda com gastos no cuidado à saúde (anterior à lei), a dependência de terceiros (familiares etc.) para realizar atividades básicas da vida diária. Um novo critério que dificulta o acesso e fere o Estatuto do Idoso sobre vida digna e autonomia.
Já para a pessoa com deficiência, a nova lei exige, além da comprovação do comprometimento da renda com gastos no cuidado à saúde, uma avaliação médica sobre o grau da deficiência! A mudança, além de incluir mais um critério, ignora o modelo de avaliação biopsicossocial (que avalia os aspectos sociais da deficiência), ferindo a Lei Brasileira de Inclusão.
Problema 3: Teleatendimento que expõe a pessoa requerente e não diminui filas
A nova lei autoriza, em caráter excepcional, que a avaliação social, realizada por assistentes sociais, ocorra remotamente (ou seja, fora da agência do INSS e por meio de computador ou celular). Além das dificuldades no acesso e uso das tecnologias de comunicação (recorrentes com os serviços digitais do INSS), em especial, para pessoas requerentes do BPC (que estão, em sua maioria, em situação de extrema pobreza), não há garantia nenhuma de sigilo e privacidade para a pessoa atendida. Isso impacta diretamente na qualidade da avaliação social, onde vários aspectos sociais são avaliados, como discriminação e preconceito vividos, situação familiar, acesso (ou não) a serviços, impactos/dificuldades no cotidiano. Além disso, retira a possibilidade de acolhimento do requerente pelo Assistente Social com uma escuta qualificada para orientá-lo nas suas diversas demandas sociais, assim como realizar os encaminhamentos necessários para o atendimento delas. Por outro lado, a forma como esse dispositivo legal foi regulamentado pelo INSS, obriga o deslocamento dos requerentes a uma Agência da Previdência Social para realizar a avaliação social mesmo que remota. O que precisa é concurso público para contratar profissionais em quantidade suficiente para atender a demanda.
Problema 4: sobrecarga dos CRAS e intermediários no lugar do INSS
A dificuldade no uso do INSS digital (sistema on-line) leva a população usuária a dois caminhos: buscar serviços presenciais (como os Centros de Referência de Assistência Social - CRAS), ocasionando um aumento significativo de demandas do INSS atendidas no âmbito desses Centros; ou ainda, contratar intermediários (profissionais sem qualquer vínculo com o INSS) para ter orientações previdenciárias. Com isso, o INSS deixa de fazer sua função de orientar sobre os direitos previdenciários e benefícios que operacionaliza!
Problema 5: o retorno de um modelo excludente de avaliação
A avaliação biopsicossocial (junção da avaliação social e avaliação médica) tem sido fundamental para que pessoas com deficiência, mesmo com impedimentos físicos/corporais leves e moderados, acessem o BPC, pois fatores sociais podem impactar mais que a própria condição de saúde. A nova lei desmantela a avaliação biopsicossocial ao impor a inversão da ordem das avaliações, priorizando a avaliação médica. O que significa que somente pessoas com grau de deficiência considerados graves ou completos do ponto de vista biomédico é que terão acesso ao BPC. Além disso, a nova lei dá brechas para a não realização da avaliação social, obrigatória apenas em casos em que a avaliação médica já resulte em indeferimento do BPC. Para piorar, um sistema automatizado interno do INSS substituirá a avaliação social. Resultado: menos benefícios, insegurança e até demora para a população.
Problema 6: o acesso ao auxílio-inclusão depende de vários critérios excludentes
Para ter direito a receber o auxílio-inclusão previsto na LBI, segundo a Lei nº14.176/2021, a pessoa com deficiência deverá exercer atividade laboral formal com remuneração de no máximo dois salários mínimos e ser classificada com deficiência moderada ou grave, além de satisfazer todos critérios de acesso e manutenção ao BPC. Além disso, o valor do próprio auxílio-inclusão entrará no cálculo da renda per capita familiar em caso de novo requerimento do BPC para pessoa do mesmo grupo familiar. Tudo isso se configura como restrições de acesso ao auxílio e ao BPC, focalizando ambos benefícios nas pessoas em situação de extrema pobreza.
Logo, é urgente tornar sem efeito os dispositivos presentes na Lei nº 14.176/2021, que pelas novas regras, somente será acessado pelas pessoas em situação de miséria absoluta.
O BPC/Loas é um dos principais instrumentos sociais de promoção de condições de igualdade e direitos de pessoas com deficiência e pessoas idosas em situação de pobreza. Ele é um importante benefício garantidor de direitos de pessoas que enfrentam diversas barreiras: econômicas, sociais, atitudinais, o modelo biopsicossocial não é um problema, ele é justamente a solução que veio para dialogar com essas expectativas de oportunidades para essas pessoas que enfrentam barreiras, sendo pois um avanço importante no sentido do exercício da cidadania e da dignidade humana para pessoas com deficiência. O critério objetivo de renda não revela a real condição de vida das pessoas submetidas a diversas formas de vulnerabilidades e riscos sociais, por isto outros mecanismos devem ser utilizados para desvelar os vários determinantes estruturais, conjunturais e particulares que incidem nas situações vividas por requerentes e beneficiários do BPC. Sobre isto, o judiciário e as ciências sociais já se manifestam há muito tempo.
Diante de mais este grave ataque, o Conselho da Pessoa com Deficiência de Juazeiro-BA vêm por meio deste documento exigir a revogação da Lei nº 14.176/2021, reafirmar o compromisso com a democracia e com o fortalecimento da seguridade social e dos direitos de pessoas idosas e pessoas com deficiência.
Josewilson B. de Souza - Presidente do CMPD
Membro dos Conselhos Estadual e Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência
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