No dia 2 de setembro foi promovida, pela Articulação Regional de Fundo de Pasto CUC, a live "A ameaça ao modo de vida das comunidades tradicionais e à Fauna com a implantação do complexo eólico de Canudos".
O evento contou com a presença de organizações que têm debatido os impactos promovidos por empreendimentos eólicos. O diálogo teve como foco a denúncia das irregularidades do empreendimento que a empresa francesa Voltalia está tentando instalar na zona rural do Município de Canudos.
"Nós, os pequenos dentro dessas comunidades, precisamos ser ouvidos, precisamos dizer que estamos aqui, que temos uma cultura e que nós não estamos querendo largar essa cultura, não estamos querendo mudar o nosso jeito de viver", protestou Débora Souza, moradora da comunidade Tradicional de Fundo de Pasto Raso, em Canudos. A participante da live, assim como centenas de famílias, vive dentro da área que está sendo atingida pela construção do complexo eólico. O local é também moradia da arara-azul-de-lear, uma espécie que corre risco de extinção na natureza.
Para Alan Bonfim, do Movimento Salve as Serras, "a implantação do complexo no Fundo de Pasto configura um crime de ecocídio", ou seja, uma destruição do meio ambiente em larga escala. Durante a live Alan explicitou de forma contundente a sua opinião sobre o caso. Para ele, a implantação do parque eólico em Canudos "não deve acontecer". Contrariando a posição do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Inema, Alan diz que as espécies que residem na área sofrerão impactos significativos, o que pode prejudicar todo o ecossistema e a vida humana. "Os pássaros são importantíssimos para a humanidade. A gente sabe que as aves são as principais plantadoras de floresta do mundo", detalhou. Segundo o palestrante a falta de aves resulta na diminuição de árvores, o que tem ligação direta com a oferta de água no ambiente natural.
A bióloga Tânia Maria, da Fundação Biodiversitas, contou sobre o trabalho intenso para aumentar o número de araras-azuis-de-lear na região, reduzindo o risco de extinção da ave, um trabalho de muitos anos que agora pode ser totalmente desperdiçado. "A nossa camisa é a camisa da arara, não é a camisa do progresso desordenado[...] Não somos contra nenhum tipo de progresso, desde que não passe por cima de tudo que a gente tem de bom", comentou durante a live. De acordo com a bióloga, ao proteger a arara-azul-de-lear todo o ecossistema é protegido, garantindo inclusive as condições mínimas para a permanência humana na região.
Para Vanderlei Leite, representante do Instituto Popular Memorial de Canudos – IPMC, as comunidades tradicionais de Fundo de Pasto, como as que estão sendo atingidas pelo empreendimento eólico, lembram a antiga Belo Monte, um lugar onde foi provado que é possível viver bem no Semiárido protegendo o meio ambiente[1] , garantindo alimento e renda. "A comunidade de Belo Monte deixou como legado a importância da coletividade, do uso coletivo do território, dos trabalhos em mutirão, da partilha de bens [...] Hoje as comunidades tradicionais de Fundo de Pasto têm esse papel de continuar essa experiência que foi iniciada em Canudos, elas também se assemelham com esta experiência, pelo seu jeito de viver, de produzir, pelas suas tradições culturais, no jeito de se organizar, de criar", declarou o presidente do IPMC.
DESRESPEITO: A fala de Débora denuncia o desrespeito que há com os povos e comunidades tradicionais diante da implantação de grandes projetos na região. Para João Régis, da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR, "o primeiro desrespeito a essas comunidades é o tratamento que é dispensado a elas quando representantes dessas empresas chegam [...] Quando se trata de trabalhadores, de comunidades rurais, as empresas chegam como se ali fosse lugar de ninguém", afirmou o advogado.
Segundo a legislação ambiental e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, a implantação de projetos como os parques eólicos em locais onde existem espécies ameaçadas deve ser precedida de estudos detalhados e audiências públicas, além disso, os órgãos têm que consultar as comunidades tradicionais presentes na área a ser impactada pelo empreendimento.
A situação é ainda mais grave, neste caso, tendo em vista que o Ministério Público Estadual - MPE já recomendou que a empresa pare a obra e que o Inema suspenda a licença ambiental, porém estas medidas ainda não estão sendo cumpridas.
Recentemente, organizações populares apresentaram uma carta em que denunciam a situação e cobram o cumprimento das recomendações feitas pelo MPE.
: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa
0 comentários