Candeeiros e velas para iluminar casas, cozinhas sem geladeiras e outros eletrodomésticos sem função fazem parte da realidade de moradores do distrito de Alecrim, em Morro do Chapéu, e Taboca, na região de Caetité, ambas na Bahia.
Em Alecrim, localizada na região da Chapada Diamantina, 77 famílias lutam há cerca de 20 anos pela instalação de energia elétrica na região.
Segundo o presidente da Associação Comunitária dos Pequenos Produtores Rurais de Alecrim, Ordilei Oliveira Bispo, a justificativa pela falta do serviço básico para o grupo nunca foi dada. "Já tiveram projetos anteriores, que eu não sei se foi desvio de verba ou não sei o que foi, mas não conseguimos", afirmou.
A realidade no distrito de Alecrim foi enviada em vídeos para o G1. À noite, os moradores ficam nas casas à luz de candeeiros montados com latinhas, que são aproveitadas após o uso de alimentos enlatados.
De acordo com os moradores de Alecrim, quando o sol se põe é a hora de ascender as velas e os candeeiros. Existe preocupação no alto custo de manter as poucas alternativas para que se tenha um pouco de iluminação. Além disso, a situação causa aflição pelo uso de óleo diesel (no caso do candeeiro), que é prejudicial à saúde por causa da fumaça.
“A gente gasta bastante com vela, porque um pacote só dura dois dias. O candeeiro a gente gasta uns cinco litros de óleo diesel por semana”, contou Ordilei Bispo. Com relação ao cenário de Alecrim quando o assunto é luz elétrica, o presidente da associação de moradores é enfático: "Não tem poste, é um lugar isolado, tudo muito antigo".
Conforme Ordilei Bispo, a única tecnologia que os moradores usufruem é o acesso, com dificuldades, um sinal de telefone.
"Eu estou usando esse [telefone] aqui agora, porque coloquei em cima da parede, porque tem um local que acha o sinal. É difícil, não é todo lugar que tem sinal”.
A insegurança não é um problema apontado pelos moradores de Alecrim devido à ausência do serviço. No entanto, para os idosos da região, é maior a possibilidade de acidentes domésticos.
"Prejudica totalmente, prejudica em tudo. Não só a produção rural, mas até o convívio da gente. Meu pai é um idoso com mais de 80 anos, não tem a visão boa, não enxerga e quando chega a noite é um sofrimento", relata.
Através da assessoria de imprensa, a Prefeitura de Morro do Chapéu informou que a prefeita Juliana Araújo, quando era vice prefeita, em 2017, fez a solicitação do serviço para o projeto Luz Para Todos, do Governo Federal.
De acordo com a prefeitura, o pedido foi aprovado no sistema, porém, ainda não foi executado na região. A gestão municipal não respondeu quando foi questionado sobre o prazo da realização do serviço.
No povoado de Riachinho, que fica ao lado do distrito de Inhombim, há cerca de 70 km de Vitória da Conquista, a terceira maior cidade da Bahia, a aposentada Rita de Cássia Ribeiro revelou que gasta em média R$ 50 por mês em velas. No local onde ela vive, a energia elétrica ainda também não foi instalada. "De noite tem que dormir cedo. Não pode ver nada. A luz, só [serve] mesmo para iluminar para fazer as coisas, fazer a janta", explicou a aposentada.
Segundo Rita de Cássia, o local não tem energia há quase 16 anos. A Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) informou que precisa de mais informações sobre os usuários para que a companhia avalie a situação e envie técnicos à localidade.
No entanto, de acordo com os moradores, profissionais da Coelba teriam ido ao povoado para fazer medições há cerca de dois anos. Na ocasião, pontos onde seriam construídos postes de energia elétrica foram instalados.
Ainda segundo os moradores, na ocasião, há dois anos, os profissionais da companhia informaram que em 60 dias a instalação estaria pronta, o que, segundo a população, não ocorreu.
Quando surgiu a possibilidade da chegada de energia elétrica na região, Rita de Cássia até comprou eletrodomésticos, mas não conseguiu utilizar.
"Tenho geladeira, televisão, desde quando prometeu ligar a energia, eu falei: 'eu vou comprar'. Aí estou até para vender para minha colega", comentou a aposentada.
Em Caetité, cidade do sudoeste da Bahia, Maria Júlia, de 53 anos, contou que os moradores da localidade de Taboca só saem de casa depois das 18h se for algo muito urgente. A justificativa é de que energia elétrica na localidade só é encontrada dentro das casas.
Zona rural do município, as casas em Taboca são distantes umas das outras. Quando alguém precisa sair de casa à noite, a solução encontrada pelos moradores é o uso de lampiões.
Mesmo assim, a preocupação é grande caso algum vizinho passe mal e precise de ajuda para ser levado à uma unidade médica. Quando ocorre emergência, as pessoas precisam sair de suas casas, no escuro, e andar por dentro de matagais até chegar para dar socorro.
“A gente tem medo. Como é na zona rural, uma casa é bem distante da outra, aí quando a gente saía tinha que levar o lampião. Tem umas quatro semanas que a prefeitura colocou umas lâmpadas nos postes, mas não foi em todos, só nos postes que ficam na frente das casas”, contou Maria Júlia.
Em 2019, o grupo Litro de Luz foi até a região e desenvolveu um projeto onde, junto com os moradores, montou placas solares para iluminar uma praça que fica na localidade. Também ensinou os moradores a fazer lampiões.
“Foi legal demais. A gente conseguiu aprender a montar os lampiões e as placas solares, porque colocaram quatros placas na pracinha", disse a moradora.
Em 2019, último ano antes da chegada da pandemia do novo coronavírus, o projeto Litro de Luz Brasil chegou a duas comunidades de Caetité e uma de Morro do Chapéu com a expectativa de amenizar o sofrimento dos moradores. O projeto que existe em diversas regiões do Brasil, no Nordeste, tem sede em Campina Grande (PB)
“Nossas soluções funcionam através da energia solar, uma energia totalmente limpa, e a gente tem uma incidência muito alta de sol no Nordeste, que favorece muito as nossas soluções", explicou o líder da célula (grupo) do projeto no Nordeste, Cleverson Costa.
O grupo voluntário trouxe o que ele chama de "soluções" através da iluminação solar a comunidades sem acesso à energia ou sem luz nas ruas por meio de postes e lampiões.
Cleverson Costa conta que o objetivo do grupo é além de trazer pequenas soluções para grandes problemas, mas também ensinar as famílias a fazer o lampiões. Eles também ensinam a fazer a manutenção do aparelho.
As soluções solares pensadas e produzidas pelas equipes do Litro de Luz Brasil são compostas por materiais simples como garrafa PET e canos PVC, além de placa solar, bateria e LED.
O G1 procurou a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) para entender como é o processo de eletrificação rural no estado.
Segundo a Coelba, em 2000, apenas 53% dos domicílios que ficavam na zona rural da Bahia tinham energia elétrica. Atualmente, esse número subiu e 97% das residências do interior do estado contam com este serviço.
Em nota, a distribuidora afirmou que está avançando significativamente no processo de eletrificação rural através do Programa de Universalização de Acesso à Energia Elétrica, realizado em parceria com o Governo Federal.
A Coelba afirma que desde 2004, ano que o projeto teve início, ela realizou mais de 600 mil novas ligações - maior número do país, beneficiando mais de dois milhões de baianos. Existe a projeção de que o estado alcance a universalização do serviço até o final de 2022.
Em comunidades da zona rural da Bahia, onde em 2021 ainda não é possível ter acesso a energia elétrica, existe ao menos a esperança de que um dia o serviço chegue a todas as famílias.
G1 Foto Reprodução TV Sudoeste
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