“As pessoas não morrem, ficam encantadas… a gente morre é para provar que viveu...O homem nasceu para aprender tanto quanto a vida lhe permita”. A frase é do escritor João Guimarães Rosa.
Através da produtora cultural Marlla Teixeira, lá de Exu, Pernambuco, terra de Luiz Gonzaga, recebi a notícia que Seu Bilino, tocador de sanfona de 8 Baixos,
desencarnou no hospital de Barbalha, Ceará. "Seu Bilino partiu, morreu. Fez a Viagem para o Sertão da Eternidade", neste sábado 14 de agosto.
Andar pelos sertões sempre me proporciona encontros, amizades, trocas de saberes! Novos conhecimentos. Entre Exu e Serrita encontrei certa vez, o "Mestre Bilino". Antônio Felizardo Alves, nasceu em Moreilândia, Pernambuco. Bom proseador e afinador de sanfona de 8 Baixos. Seu Bilino também tocava sanfona de 120 baixos. Mas era apaixonado mesmo pela arte de tocar a sanfona de 8 Baixos. Fazia questão de frisar: Sou afinador de sanfona, dos 8 aos 120 baixos.
Seu Bilino começou a tocar ainda era menino, em 1958, quando seu pai comprou uma sanfona de 8 Baixos pra ele. Naquela época os forrozeiros tocavam nos casamentos, nos aniversários. “Ele, meu pai comprou uma sanfona pra eu tocar pra ganhar um dinheirinho. Nessa época o povo tocava à noite toda”, afirmando, que veio de uma família de músicos.
Seu Bilino dizia que não era tocador profissional. Sua profissão mesmo era afinador de sanfona: “Meu ramo mesmo é ser afinador de acordeon, quando o fole se acaba eu também recupero”, diz ele.
Seu Bilino era fabuloso. Viveu no Sertão místico disparando linguagem dos sanfoneiros para disfarçar sua genialidade, simplicidade sertaneja, grandiosidade humana. Seu Bilino tinhas sonhosmplantados em notas musicais teclados em sua sanfona.
O sanfoneiro, pesquisador Leo Rugero, aponta que a "Sanfona de 8 Baixos, Pé de Bode ou Fole de 8 Baixos, como também é chamado é um instrumento fundamental para a música nordestina e brasileira. No nordeste do Brasil, ele adquiriu características de afinação próprias que o tornaram diferente. Portanto, no nordeste ele desenvolveu um sotaque próprio, que é representativo de nossa cultura. Representa, além de uma tradição musical, um saber único".
Atualmente, a arte do tocador de sanfona de 8 baixos está ameaçada, porque seus instrumentistas não encontram mais espaço merecido nas programações de Rádio e Televisão. O Tocador de 8 Baixos é capaz de agregar uma comunidade e produzir cultura, representá-la e difundi-la, contribuindo para o fortalecimento de nossa própria identidade.
Em 2013, Seu Bilino contou para a jornalista Maria Peixoto, reportagem Um Modesto Tocador de 8 Baixos, portal Cultura de Pernambuco, que teve dois mestres: um foi seu pai, que lhe ensinou duas coisas, uma é que “a música é pra ser tocada com carinho e amor, bem e sempre feliz”. A outra é que tem músicas que devem ser guardadas pra momentos especiais. “Meu pai dizia ‘Num toque essa música atoa não. Toque num momento especial, que você fica feliz e eu também fico”, ensina.
O outro mestre de Bilino foi Severino Januário, irmão de Luiz Gonzaga. “Eu tocava com Severino Januário, eu considero ele meu mestre. Eu toco as músicas dele, tem gente que até chora. Hoje eu estou tocando as letras dele por causa dele. É um xote tão bom de dançar que todo mundo arrupeia os cabelos”, brinca Bilino.
Ele só fica triste com a falta de reconhecimento do seu mestre “Severino dos 8 Baixos não era mostrado na televisão. O homem tocava um 8 Baixos daquele jeito e num era mostrado. Eu fiquei meio triste, andei um tempo sem tocar”, conta o tocador que também não tem a atenção dos holofotes, apesar de seu talento merecido.
O vínculo com a família de Luiz Gonzaga começou desde cedo, Seu Bilino conta que seu pai só afinava o instrumento com Seu Januário: “Ele trazia o 8 Baixos dele porque ele era mestre, aí quando a sanfona dele quebrava. Ele vinha pra aqui”. E, Bilino, criança, vinha dentro de um caçoá, de Serrita, sua cidade, para Exu.
Em vida Seu Bilino teve consciência de que estava cada vez mais raro achar pelas bandas do Araripe um tocador de 8 Baixos, “Daqui a uns 50, 100 anos quem tocar 8 Baixos vai ser chefe majoritário do mundo inteiro”, Bilino sente prazer quando consegue passar seu conhecimento a alguém “A coisa que eu acho mais feliz no mundo é eu dar aula pra uma criança, de 8 Baixos, porque de acordeon tá cheio já de tocador”
“Eu não posso abandonar essa carreira até o fim da minha vida. Eu estou feliz desse jeito, porque dinheiro num é tudo na vida não. Eu sou um cara da roça, do mato, eu tenho um sitiozinho que eu plantei, tem 16 pés de coco. As filhas vem do meio do mundo passear. Eu acho bom estar no meio da terra aqui escutando Luiz Gonzaga tocar, chega um amigo, conversa comigo, chega outro”, conta o humilde tocador do fole típico do Sertão que hoje se tornou preciosidade.
Descanse em Paz, amigo sanfoneiro Seu Bilino.
*Texto: Ney Vital-Jornalista. Apresentador do Programa Rádio Nas Asas da Asa Branca-Viva Luiz Gonzaga e Seus Amigos.
Redação redeGN Texto Ney Vital-jornalista
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