“Sou mestre no meu ofício de colorir o couro, fazer meus arabescos, corações e trabalhar as peças”. Ressaltando seu trabalho, foi com essa mensagem que o mestre da Cultura e artesão cearense Espedito Seleiro comemorou em seu perfil no Instagram o recebimento do certificado de registro de marca do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
Com isso, o artista pode usar sua marca com exclusividade e fica protegido de possíveis cópias de terceiros de seu trabalho. “O que foi protegido foi a marca para todos os produtos e serviços que ele desenvolve, o que garante uso exclusivo dela em artigos de couro, vestuário e na comercialização dos produtos em geral”, explica o advogado Bruno Figueiredo, atual responsável pelo caso.
Com isso, conforme explica o professor de Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza, Humberto Cunha, há uma valorização das peças, e quem violar o uso de uma marca reconhecida como a do Mestre Espedito Seleiro estará sujeito a pagar indenização e até a responder criminalmente.
O registro de marca é realizado pelo Inpi, que visa garantir e proteger a propriedade intelectual devidamente cadastrada no órgão. O certificado permite ao autor a exclusividade e a propriedade de sua marca, resguardando-o, assim, de cópias e apropriações de obras por terceiros. O documento tem validade de dez anos e pode ser renovado a cada década.
Essa conquista vem de um “sonho” de muitos anos de Espedito Seleiro. Em entrevista o artesão relatou o alívio pelo recebimento do certificado. Ele buscou o registro junto ao Inpi para resguardar suas obras de reproduções indevidas por outras pessoas. “É uma coisa que a gente trabalha muito e às vezes não tem o reconhecimento aonde chega. Por exemplo, se eu faço um chapéu, aí vai ter outra pessoa que vai querer fazer igualzinho e não vai considerar quem criou o modelo”, comenta.
Além disso, encara como uma forma de deixar registrado para gerações futuras as origens de sua arte. “Procurei registrar também porque amanhã ou depois as pessoas vão saber quem criou a arte e quem a está mantendo, porque isso é uma coisa que é um sonho meu desde que sou criança, que eu comecei com meu avô e com meu pai”, alega.
Entre as suas obras mais copiadas estão sandálias e bolsas que seguem o seu estilo característico de arte em couro. “Eu não tô proibindo ninguém de fazer bolsa, sandália ou chapéu. Pode todo mundo fazer. Agora, o que eu não quero é que façam o estilo do desenho que eu criei e que traz uma característica minha”, ressalta o mestre da Cultura.
O artesão também relata que sentiu um impacto grande nas vendas de seus produtos durante a pandemia, com diminuição considerável no ritmo de aquisições por clientes. Entretanto, ele acredita que o fluxo está melhorando aos poucos. As peças mais procuradas, segundo Espedito Seleiro, são “sandálias da Maria Bonita”, o “chapéu de Lampião” e gibão.
Mesmo diante das dificuldades da pandemia, o artesão ressalta o gosto pelo seu trabalho: “Eu já passei por aperto muito pior. Já teve sufoco que eu vi a hora de fechar tudo e eu aguentei porque eu gosto do meu trabalho, adoro trabalhar com couro e é uma coisa que vem de família já há cinco gerações”, conclui.
HISTÓRIA: Espedito Seleiro produz calçados, bolsas, chapéus, carteiras, bancos, poltronas, além das selas, gibões e outros elementos da cultura vaqueira que estão sempre presentes. O artesanato é feito com couro de cabra, pelica e camurça compradas em diversas cidades do Nordeste. Suas peças são vendidas em outros estados e exportadas para outros países.
Alguns produtos se destacam como muito característicos do mestre artesão, como é o caso das sandálias de Lampião e de Maria Bonita.
A confecção das sandálias foi inspirada por uma passagem da história do seu pai. Um dia, um cliente chegou com o desenho de uma sandália “quadrada” que encomendou do pai de Espedito. Alguns dias depois, quando voltou para pegar a encomenda, aprovou a sandália e revelou ser cangaceiro do bando do Capitão Virgulino. A sandália com o formato quadrado tinha uma função bem prática para o bando por despistar os rastros deixados pelos calçados nas areias do sertão. Anos depois, a pedido do músico Alemberg Quindins, idealizador da Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, Espedito confeccionou uma sandália igual a de Lampião. Logo em seguida, criou também a sandália de Maria bonita.
“Seu” Espedito nasceu em 1939, registrado como Espedito Veloso de Carvalho, mas o ofício de seleiro, exercido desde cedo, o fez ser conhecido como Espedito Seleiro. Filho de vaqueiro, “seu” Espedito nasceu em Arneiroz, no Ceará, e aprendeu bem novo, aos oitos anos, com seu pai, o ofício de seleiro, confeccionando selas e outros equipamentos para vaqueiros, tropeiros e cangaceiros. Seu pai faleceu ainda novo, deixando dez filhos e algumas ferramentas de ofício. Espedito, o mais velho dos dez filhos, começou passou a sustentar toda a família, com a confecção de selas. Nessa época já viviam em Nova Olinda e a venda foi ficando cada vez mais difícil, por conta da queda do trabalho de vaqueiro, resultado da crise na pecuária vivida após a mais longa estiagem do século XX que assolou o Ceará por longos cinco anos, entre 1979 e 1984.
Seu espedito começou a fazer a fazer outras peças em couro, como sandálias e bolsas e passou a usar cores. Tornou-se um investigador de pigmentos naturais e técnicas de tingimento de couro e assim, descobriu o angico que tinge de marrom, o urucum que traz o vermelho, a cinza da capimbeira que colore de branco. Com o tempo, criou uma estética própria que valoriza os desenhos e as cores, resultado da influência cigana, povo que admira e que, quando novo, o fascinava pelas vestimentas e adornos.
Um dia, Espedito se deu conta de que, com o falecimento do pai, o conhecimento que vinha sendo passado desde seu tataravô poderia morrer com o seu próprio falecimento. Decidiu, assim, ensinar o ofício aos seus irmãos, depois seus filhos e mais recentemente os netos. Mais tarde, fundou a Oficina Escola Espedito Seleiro que passa para os mais jovens além do ofício, a percepção de que esse saber-fazer é parte de uma cultura, de um modo de viver que está vivo, e pode seguir vivo dentro de cada um deles. Hoje, Espedito Seleiro é mestre da cultura, reconhecido oficialmente pelo Governo do Estado do Ceará e pelo Ministério da Cultura. Em 2017, recebeu o título de Notório Saber pela Universidade Estadual do Ceará (Uece).
O Povo Miguel Araujo Foto Waldemar Cunha
0 comentários