Desde 2004, a prefeitura de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), passou a realizar o cultivo agroecológico de plantas medicinais para a produção de fitoterápicos.
Cerca de 20 anos depois, os postos de saúde do município oferecem pelo Programa Farmácia Viva, do Sistema Único de Saúde (SUS), diversos remédios naturais por mês à população local.
Esta é mais uma experiência identificada pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). O resultado reafirma o compromisso em contribuir com novas opções terapêuticas a partir do uso sustentável da biodiversidade, pautadas no conhecimento tradicional.
Tudo começou com a criação de um horto municipal de plantas medicinais, a partir da coleta de materiais vegetais nos quintais das comunidades da região e doações de parceiros. A cadeia produtiva foi desenvolvida de forma intersetorial envolvendo diversas secretarias, Emater, universidade federal, entre outros setores.
O objetivo foi resgatar o conhecimento tradicional popular preservando a biodiversidade local e gerando renda para agricultoras e agricultores, que tiveram capacitação sobre todas as etapas do empreendimento. Foi possível resgatar hábitos culturais da região sobre chás, remédios caseiros e o plantio das plantas nos quintais.
A Farmácia Viva oferece, atualmente, 83 medicamentos fitoterápicos, como cremes, loções, xaropes, tinturas e pomadas, e toda linha de medicamentos homeopáticos. Em média, são dispensados por mês 6.500 medicamentos mediante a apresentação de prescrição, segundo a prefeitura. O tempo de espera para o recebimento do medicamento, após o atendimento, é de, em média, dois dias úteis. Até o fechamento desta matéria, não foi possível obter os valores atuais dos recursos investidos no programa.
De acordo com a pesquisadora em saúde pública da Fiocruz Pernambuco e Coordenadora Executiva do Observapics, Islândia de Souza, apesar de sua eficácia e baixo custo operacional, a fitoterapia não apresenta aplicação uniforme em todo o país e a oferta do SUS é baixa. Existe também, segundo ela, uma baixa difusão sobre os cuidados no uso dos fitoterápicos, que é diferente das plantas medicinais, e há também um grande interesse das indústrias farmacêuticas que deixa os usuários vulneráveis frente à oferta do mercado de medicamentos.
“Apesar de existir no País uma discussão acerca do potencial de desenvolvimento econômico neste tema, sendo uma delas a criação de cadeias de valor que visam valorizar o pequeno produtor, identificando todo o processo até o produto final, diminuindo os atravessadores, o processo de articulação entre quem produz as plantas medicinais e os serviços de saúde que produzem o fitoterápico ou oferta as plantas ainda é pequeno. Há pouco investimento neste sentido pelo governo federal e a maioria dos municípios não possue recursos próprios para fazê-lo”, afirmou a pesquisadora.
O Programa Farmácia Viva foi premiado, em 2006, pelo Ministério da Saúde como iniciativa inovadora no sistema público de saúde. No ano de 2008, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (extinto no governo Bolsonaro) disponibilizou recursos financeiros possibilitando a aquisição de secadores, estantes e mesas inox, balanças e desumidificadores para fomentar as atividades.
A Farmácia Viva foi inaugurada em 2011 com a manipulação média de 5.546 fitoterápicos ao mês. Foi formalizada uma parceria com a indústria farmacêutica Catedral, com três cadeias produtivas: chia, na comunidade do Cruzeiro do Sul; alcachofra, no bairro Bandeirinhas; e babosa, no Serra Negra. Em 2012, a Secretaria de Saúde, em parceria com a Divisão de Agropecuária, foi selecionada no Edital 01/2012 do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, do Ministério da Saúde, que também financiou R$ 499 mil no ano de 2019.
Profissionais da rede municipal, como médicas/os, enfermeiras/os, farmacêuticas/os e odontólogas/os, foram capacitadas/os em fitoterapia para tratamento alternativo. Os medicamentos são disponibilizados mediante receita médica prescrita por profissionais, e o pedido é feito nas Unidades Básicas de Saúde (UBS’s). Os próprios agentes já haviam percebido a utilização desses medicamentos pelas/os pacientes, e estimularam a implementação no sistema público para evitar o uso de medicação inadequada.
Com a instituição do Arranjo Produtivo Local (APL), gerido pela Secretaria Municipal de Saúde/Farmácia Viva, foi possível catalogar e identificar 53 espécies de plantas medicinais, cadastrar e qualificar 67 agricultoras/es periurbanos e familiares. Atualmente, seis espécies são manipuladas nos laboratórios. Sete hortas foram implantadas para difundir os conhecimentos, e o Viveiro da Divisão Agropecuária chegou a doar 6 mil mudas/mês para hortas comunitárias, escolas etc. Com o crescimento também entre as/os agricultoras/es foram criados pontos de vendas na internet, na prefeitura e no Centro Administrativo do Estado de Minas Gerais.
Segundo a engenheira agrônoma e coordenadora da APL, Neusa Almeida, a única planta que representa sazonalidade é a calêndula, enquanto as demais são cultivadas e manipuladas o ano todo. Todo o processo é realizado conforme critérios técnicos, e no setor de secagem as plantas são beneficiadas, armazenadas e encaminhadas para doações em forma de chás aos usuários do SUS, explicou. “Oferecemos medicamentos cada vez mais seguros e eficazes aos usuários”, explicou.
“Temos expectativa de ampliar a área de produção e aumentar o acesso dos usuários aos fitoterápicos, e para isso será necessário capacitar mais prescritores [profissionais que receitam os remédios]. Melhorar também o apoio técnico para a produção das plantas medicinais nos cultivos dos agricultores familiares, além de buscar a intersetorialidade dos órgão que estão envolvidos com ações de sustentabilidade, preservação ambiental, geração de renda para as/os agricultoas/res. Criar um mercado institucional para a compra das plantas medicinais das/os agricultoas/res também seria importante para não quebrar essa cadeia de produção”, afirmou.
Midia Ninja/Eduardo Sá/Fiocruz
0 comentários