Antiga letra de Chico Buarque revela o estilo de vida do genial compositor: “Eu faço samba e amor até mais tarde e tenho muito sono de manhã”. A minha inspiração para música está tão distante daquela do letrista quanto o planeta Terra de Marte.
No mais, concordamos no capítulo do sono quando o dia clareia. Cresci ouvindo os mais velhos a falarem o chavão de que se deve dormir pouco, pois haverá toda a eternidade para tanto. Acreditei nisso até a segunda ou terceira insônia. Bom para quem não consegue fechar os olhos à noite é dormir pela manhã.
Uma madrugada sem dormir não vem sozinha. Acompanham-na, como sombras, a irritação, a dispersão e uma vontade indomável de ficar na cama. Defendo ardorosamente o sono matinal. Há bons argumentos. Nesse horário, a mulher foi trabalhar ou ao cabelereiro, as crianças estão na escola e os netos ainda não chegaram para alegrar os avós. O sol tropicalíssimo arde de doer no couro cabeludo logo cedo. E se você mora na região Centro-Oeste, a umidade entre julho e setembro quase chega abaixo de zero. Bate um leve sentimento de que Dante andou visitando essa região no período, ao se inspirar sobre o inferno para a Divina Comédia.
Quando uma invencível inércia me atinge pela manhã, desligo os meios de comunicação com o mundo e me transformo no último alienado do século 21. Caro colega de insônia, substitua todos os encantos da eletrônica por uma cortina espessa, um ar condicionado geladinho, o travesseiro e um lençol.
Além do mais, há poucas atividades para as quais não se possa trocar a manhã pela tarde, exceto, talvez, uma consulta ao dentista quando o dente está doendo furiosamente. Mas aí você não vai dormir mesmo. Quem possui dificuldades com o sono à noite, deve utilizar as madrugadas silentes para as tarefas prazerosas. Tipo o papo com os amigos que padecem de insônia - acredite, há vários - ou ler algo que diminua aquela pirâmide de livros que tem na estante, e que você reservava para fazê-lo na aposentadoria. Enfim, tudo o mais que lhe restaure a alegria de viver. Se você sofre desse mal, reverta o resultado do jogo: guarde as manhãs para dormir, quando é possível.
Utilize as tardes e as noites para a parte enjoada da vida, o que inclui pagar as contas, ir ao supermercado, calibrar o pneu do carro e, caso não tenha outro jeito lícito de sobreviver, trabalhar. É verdade que a insônia facilita outros padecimentos, como esquecer tarefas simples do cotidiano. Mas se para todo mal há cura, a fim de compensar o branco da memória uso os editores de textos do aparelho celular - cuja última e modesta tarefa é receber e transmitir as falas – para anotações e também ando acompanhado de caneta e um bloquinho de notas. Acabo de descobrir que além de insone, sou meio compulsivo.
Og Marques Fernandes-Ex-repórter do Diario de Pernambuco. Ex presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco e colaborador na reestruturação do Judiciário de Guiné-Bissau, na África
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