A época mais "quente" do ano nordestino chegou e a lembrança mais viva é das grandes fogueiras de arder o rosto, as ruas repletas de bandeirolas vermelhas e amarelas e a variedade de comidas derivadas do milho – de fato tem para todos os gostos. No entanto, o atual cenário pandêmico tem impossibilitado a realização da tradicional festa junina.
Ano passado, a festa foi cancelada na esperança que o momento fosse passageiro, logo tudo voltaria ao "normal". Este ano, com apoio de tecnologias e recursos que fazem parte da realidade há um bom tempo, surgiram os movimentos das lives e outros produtos do audiovisual como forma de incentivar as produções artísticas culturais. O que parecia ser um experimento caiu no gosto popular como um dos principais meios de difusão cultural.
Eventos como as quadrilhas juninas, conhecidas pela riqueza em detalhes e história, aderiram ao formato digital e prometem dar ao público uma prova da saudade que é comum a todos. O evento é realizado tradicionalmente durante todo o mês de junho, mas a corrida começa muito antes disso. Levando um período de seis meses da organização até estarem prontos, as juninas passam por algumas fases. Cássio Costa, que tem uma extensa trajetória como quadrilheiro, conta que "tudo começa pelo tema e, a partir disso, inicia a construção do figurino, das coreografias de entrada e saída, do cenário".
Para que o trabalho dos quadrilheiros continue, a comissão organizadora de cada quadrilha busca apoio financeiro e patrocínios. Cássio explica que, apesar do poder publico destinar parte do recurso, ainda assim não é o suficiente para suprir todas as necessidades da produção do evento. Geralmente, cada comissão promove meios de arrecadação, como por exemplo, a realização de pedágios. E assim, o produto final carrega todo o encanto e a representação de uma cultura viva e vibrante como pontua Jackson Alves, que atualmente faz parte da coordenação da Junina Encanto. "A Junina é realmente a raiz do povo pernambucano, do povo nordestino, porque sempre traz uma temática referente a algo da sua cidade, ou a gente conta uma história também, como se escrevesse um livro", esclarece.
Movidos pelo amor ao festejo, as quadrilhas juninas do vale do são Francisco criaram o Movimento Junino do Vale São Francisco (MOJUVASF). "Vamos realizar a live no dia 29 de junho, dia de São Pedro, na qual cada quadrilha terá dez minutos pra se apresentar. Terão casais reduzidos, visto que não tá podendo fazer aglomerações", conta Cassio. Além de live, as postagens de vídeos curtos nos sites de redes sociais - como a página do Instagram @mojuvasf - ganharam força no sentido de levar para tela um pedaço do São João.
Forró pé de serra e virtual:
Quem também aderiu ao movimento das transmissões ao vivo foi o bom e requisitado forró, que faz parte do dia a dia, mas, nessa época, é o combustível para o povo nordestino. Nascido em Remanso, o sanfoneiro Márcio Passos é um dos artistas a utilizar as lives para poder estar mais perto do seu público e levar as músicas que os enche de lembranças.
Aos 42 anos, Márcio conta com uma longa trajetória no universo musical, começou na sanfona aos 11 anos e, desde então, nunca mais parou. De São Paulo à Remanso, o sanfoneiro sempre esteve nos palcos levando a alegria e a cultura de sua terra por onde passava, não é à toa que alega ter saudades do contato direto com as pessoas. Também compartilha um projeto com seu parceiro Lucílio Viana, disponíveis nas redes sociais da dupla (@marciopassos_e_lucilioviana). Apesar de sentir saudades das apresentações presenciais, Marcio reconhece a importância de ter as plataformas como meio de se conectar aos fãs, mas pontua que não vê a hora de retornar aos palcos.
Para a festa junina ficar completa, não pode faltar o "de cumê. A infinidade de comidas típicas dessa época é sempre de encher os olhos e, claro, a barriga! Do bolo de milho à paçoquita a mesa de casa está sempre cheia de gostosura para toda família.
Mas um ponto forte do comércio junino também se encontra na produção de licor artesanal. Contando com uma cartela de variedade nos sabores, os licores têm feito parte da tradição junina utilizando-se na culinária ou simplesmente a bebida do período. Licores de frutas, ervas e essências fazem o gosto do público nessa época, ainda mais pelo fato de combinarem muito bem com o clima da temporada.
Com o cancelamento das festas mais tradicionais do período, o setor reduziu a produção, ainda mais pelo aumento dos preços das matérias primas. No entanto, novamente a divulgação e comercialização nos sites de redes sociais têm ajudado os pequenos empreendedores com as vendas e divulgação de seus produtos. Segundo a juazeirense Luciana Carvalho, empreendedora autônoma na produção de licor há três anos, a produção tem se mantido "através de encomendas, divulgações e indicações de pessoas próximas". Além da produção avulsa, Luciana tem investido na distribuição para outros vendedores.
Personagens como Cássio, Jackson, Márcio e Luciana são os mesmo que constroem esse momento, que o idealizam e o executam. Mesmo em um momento tenso sobre o qual todos estão vivendo, eles e muitos outros têm feito com que o legado do São João não seja apagado e mais, estão proporcionando ao público um momento de afago nesse período. Assim como Jackson afirmou ao definir o trabalho das juninas como "uma engrenagem onde todo mundo tem seu papel", o São João partilha dessa mesma característica. É um trabalho em equipe onde cada personagem desempenha seu papel a fim de manter acesa chama da imensa fogueira. Então, se prepara, porque vai ter arraiá!
Reportagem de Jéssica Cardoso e Wellington Martins para Agência Multiciência.
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