Mesa farta com comidas típicas do Nordeste, licor, fogueira e forró são alguns dos elementos do São João. Embora haja, no formato em que a festa é conhecida, fortes características brasileiras, os festejos juninos são de origem portuguesa, como explica o historiador baiano Manoel Passos.
"O São João é uma festa de origem portuguesa, quem nos colonizou. Ela veio da Península Ibérica, quer dizer, tem a origem bíblica. O grosso da comemoração vem de Portugal", conta.
Apesar da origem portuguesa e católica, os festejos também trazem características francesas, com as quadrilhas, além das adaptações do Brasil.
"As quadrilhas, apesar de serem de origem francesa, passaram por uma adaptação, uma estilização ao Nordeste, ao Brasil. Anarriê, por exemplo, é uma palavra francesa. Mas a gente introduziu [na quadrilha] o 'olha a chuva', 'olha a cobra' e as coreografias da quadrilha. Então, todos esses elementos compõem essa celebração desses festejos", conta.
O historiador também explica sobre o surgimento da fogueira e a relação com o catolicismo. Segundo ele, a fogueira é um símbolo de São João porque Isabel, irmã de Maria, precisou de madeira e fogo para fazer um anúncio.
"Maria, mãe de Jesus Cristo, com a prima dela, Isabel, combinaram que quando João Batista nascesse, Isabel acenderia uma fogueira para avisar a Maria sobre o nascimento. Essa é a origem da fogueira", detalha.
O historiador detalha que a devoção a Santo Antônio, São João e São Pedro, presentes no catolicismo por causa do colonialismo português, até hoje são destaques na cultura popular do Brasil, principalmente no Nordeste.
"[São João] É uma comemoração eminentemente católica, que faz referência ao santos nas festas juninas: Santo Antônio, São João e São Pedro. Mas quando [a festa] chega aqui no Brasil há um processo de estilização, é um comemorar praticamente da colheita", explica.
"É uma festa caipira e algumas coisas foram acrescidas. A quadrilha é de origem francesa, a música é o forró, que tem origem do Nordeste. Aí você já vai pegando essas questões culturais. E como é que se comemora? Os licores são específicos, típicos da comemoração dessas festas juninas especialmente os mais famosos, como licor de jenipapo", conta.
Ainda sobre os elementos da culinária junina, o historiador destaca outras iguarias.
"O amendoim cozido é bem específico daqui. A gente conhece amendoim seco em toda parte do mundo, mas cozinhar é daqui. O milho, a gente [do Nordeste] come de todas as formas, milho assado, milho cozido, canjica, cuscuz, pamonha. Tudo isso, todos esses elementos, fazem parte desse cardápio junino. Por isso que eu digo que é uma festa da colheita", diz.
Manoel também fala sobre os fogos de artifício e explica sobre o que chama de "processo de amadurecimento" dessas festas.
"Recriamos algumas coisas. Quem inventou a pólvora foram os chineses, que são os que fazem as melhores fogos. Em Portugal [o São João é em Porto], tinham-se balões, até hoje tem. As pessoas compram balões pequenos e a bucha é de parafina. Quando a parafina termina, o balão desce e não causa incêndio", conta.
"Hoje, por exemplo, a gente vê um São João com palcos, São João de camisa. Mas antes, era aquela coisa de você passar pela casa das pessoas e perguntar: 'São João passou por aqui?'. As pessoas preparavam suas mesas, com bolos, comidas, canjica e recebiam gente dentro de casa", relembra.
Cidades do interior da Bahia com praças vazias, sem o som da sanfona, sem as vozes de multidões. Assim deve ser o segundo ano consecutivo sem São João na Bahia, por causa da pandemia. A situação já causa impactos sociais, econômicos e culturais.
Alguns municípios têm os festejos juninos como grande fonte de geração de trabalho e movimentação da economia. O historiador Manoel Passos conta que, com a expansão do turismo, essas cidades começaram a investir ainda mais na organização das festas juninas. Grupos saem de outras cidades, estados e até países para conhecer o São João de cidades da Bahia.
Os eventos, a maioria, são realizados nas praças centrais das cidades, com um palco montado onde são realizados shows gratuitos para o público. Em cidades como Amargosa, Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas e Senhor do Bonfim, são realizadas, além desses eventos públicos, festas particulares com atrações diversas, inclusive bandas que não têm características de forró.
"Quase todas as cidades da Bahia comemoram o São João, então circula pessoas, dinheiro, ideias, mercadorias. Isso é interessante nesse aspecto. Cada cidade tem uma atração, os cantores, as quadrilhas. Todos esses elementos juntos fazem com que essa festa seja realmente ímpar, nordestina", conta.
Manoel diz acreditar que prefeitos de algumas cidades baianas se preocupam em não descaracterizar a festa junina ao manter um perfil de atrações musicais que tenham o forró em seus aspectos.
Para ele, manter a "alma da pessoa sertaneja", com o São João original e uma festa junina autêntica, são formas de fortalecimento cultural sem que a cidade deixe de investir no turismo e ter retorno econômico.
"A gente não pode negar que o turismo é um vetor econômico, um vetor de desenvolvimento. Isso gera movimentação economia da cidade, gera riqueza, circula mercadorias, circulam pessoas e essa evolução. Os estilos musicais do São João são mais específicos, mas hoje a gente vê novos elementos, os cantores da moda são requisitados, mas esses cantores também começam a se adaptar levando ao público algo mais característico do São João", opina.
Sobre a pandemia, o historiador lamenta como a situação desarticulou uma série de comemorações, atividades culturais, econômicas e sociais, não apenas na Bahia, mas em todo o Brasil.
"A gente sabe que toda essa situação está gerando um prejuízo imenso na economia. Imagina as cidades pequenas que têm o São João como a principal atividade econômica? É um prejuízo para economia dessas localidades, eu diria que especialmente no Nordeste", disse. A reportagem texto é de Maiana Belo
G1 Maiana Belo
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