Comunicação é poder e isso todo mundo, de certa forma, já sabe. Hoje em dia muita gente sabe também que em tempos de popularização da internet, um mandato do Executivo ou Legislativo que queira ser renovado ou ser lembrado pelo povo, precisa usar as redes sociais e aplicativos de divulgação de informação.
Essa semana, um fato movimentou grupos de trocas de mensagens, mídias sociais, sites, blogs, rádios e até programas de televisão regionais, colocando na cena o município baiano de Casa Nova. Tratava-se da notícia de inauguração de um equipamento de Saneamento Rural e a forma que viralizou na rede lembrou cenas do Filme “Ai que vida”, comédia nordestina lançada em 2008 no Piauí e que tinha como protagonista o personagem Zé Leitão, prefeito do município fictício de Poço Fundo.
O evento de inauguração envolvia a Prefeitura de Casa Nova, a Fundação Luiz Eduardo Magalhães (Flem) e a comunidade de Macambira, que recebeu uma comitiva para inaugurar simbolicamente um sanitário. As imagens do ato solene viralizaram na internet com a legenda “prefeito inaugura banheiro químico”.
Depois que o assunto repercutiu nacionalmente, alguns veículos de comunicação divulgaram informações onde a Flem esclareceu que a obra compreende a construção de 24 sanitários, com custo de quase meio milhão de reais, porém sendo apenas uma contrapartida de cinco mil da prefeitura, 170 mil do governo da Bahia e demais recursos de parcerias internacionais. Informou ainda que os sanitários não fazem uso de água e os dejetos geram adubo orgânico.
Mas vamos às reflexões:
- Os banheiros secos são tecnologias de saneamento rural já experimentadas em muitos locais no Brasil e no mundo, porém geralmente são equipamentos de baixo custo e na construção não utilizam estruturas prontas, como é o caso do Sani Solar inaugurado em Macambira;
- O evento presencial aconteceu em um momento de pandemia, promovendo aglomeração e sem distanciamento social mínimo (conforme as imagens mostram), ainda que a maior parte das pessoas apareçam usando máscaras;
- No ato solene a fita vermelha que envolvia o sanitário foi desatada por integrantes de uma comitiva política, que contou com deputado estadual irmão do prefeito de Casa Nova e com o presidente da Flem. Ainda que a obra não fosse da prefeitura, como defendeu o prefeito em alguns meios de comunicação, o palanque eleitoreiro foi garantido;
- Parece que não houve uma ação prévia de comunicação para mostrar à sociedade em geral os benefícios da tal obra para a comunidade e que não se tratava de banheiro químico, já que o formato é bem parecido. Isso poderia preparar o terreno para o famigerado ato. A gestão municipal, inclusive, perdeu a oportunidade de explorar o aspecto da sustentabilidade, prática que tem crescido quando se trata de propaganda institucional;
- Posteriormente, a assessoria de comunicação da prefeitura também não conseguiu fazer o chamado gerenciamento de crise, dando respostas e explicações à população, já que o prefeito foi o alvo das críticas. Ao contrário, nos veículos de comunicação oficiais (site, instagram, facebook) há uma omissão total sobre o assunto.
- Boa parte dos veículos de comunicação divulgou o fato como inauguração de um banheiro químico convencional, seguindo as primeiras postagens que circularam. Ou seja, não houve apuração e o caso virou motivo de piadas, memes e sensacionalismo em alguns casos.
Para além da Macambira
A internet não é uma terra sem lei, como se costuma propagar, pois já há punições para crimes virtuais. Mas podemos dizer que é um território sem controle, onde se expressa da forma mais real a Teoria do Panóptico, defendida por Michel Foucault muito tempo atrás. Ou seja, há um olho que tudo ver e, no emaranhado de cliks, hastags, algoritmos e legendas sensacionalistas, uma informação divulgada pode não provocar nada como também pode mudar os rumos de determinada coisa.
Fora do virtual, vemos que a política dos/das gestores/as e boa parte dos/das parlamentares dos municípios do Sertão do São Francisco segue vergonhosa. A pobreza continua sendo explorada em campanhas eleitorais antecipadas. Gasta-se com publicidade, porém pouco se investe em equipes de comunicação profissionais. O compromisso com o combate à pandemia parece ser apenas no discurso e muito pouco nas medidas sanitárias, decretos e fiscalização.
Essa não é apenas uma realidade de Casa Nova, vale ressaltar. Nesta mesma semana, Juazeiro, também no norte da Bahia, sediou evento de entrega de cisternas de plástico. O acontecimento promovia vereador, deputado e reuniu diversas pessoas, muitas sem máscaras inclusive, as quais se aglomeraram embaixo de toldos e entre grades montadas para a ocasião.
Privadas e cisternas são equipamentos necessários nas comunidade rurais, mas é preciso entender que as tecnologias da comunicação e informação tem chegado primeiro, uma pena que a maior parte da população não saiba ainda usar para reivindicar direitos essenciais como água e saneamento básico.
Por Érica Daiane Costa – juazeirense do Salitre, comunicadora social, professora, integrante do Coletivo Enxame.
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