Por anos, cientistas têm buscado uma vacina contra a malária, doença que atinge principalmente populações da África subsaariana e que causa mais de 400 mil mortes por ano.
Pesquisas têm sido feitas na última década e uma candidata a vacina chegou até a última fase do ensaio em humanos (a fase 3), mas, com 55% de eficácia, ela não atingiu o limite estabelecido como ideal pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de 75%. Até agora.
Uma nova candidata a vacina produzida pela Universidade de Oxford em parceria com o Instituto de Pesquisa em Ciências da Saúde de Nanoro (Burkina Faso) foi testada em 450 crianças no país africano e apresentou eficácia de 77% se aplicada com a dose mais alta e de 71% com uma dose menor por até 12 meses após a aplicação. Os resultados desse ensaio clínico inicial estão disponíveis na forma de pré-print no prestigiado periódico científico The Lancet.
O grupo pretende agora conduzir ensaios de fase 3 em quatro países africanos com cerca de 5.000 voluntários --crianças de cinco meses até três anos de idade serão incluídas no estudo.
A malária é uma doença causada por um parasita do sangue, um protozoário -espécie de parasita unicelular que não é nem uma bactéria, nem um vírus- do gênero Plasmodium.
A transmissão para o ser humano é pela picada da fêmea do mosquito Anopheles e, embora ocorra em todo o mundo (exceto nas regiões ártica e antártica), a África subsaariana concentra 93% dos casos e 94% das mortes.
Segundo o último relatório da OMS, em 2019 foram registrados 229 milhões de casos de malária (um milhão a mais em comparação ao ano anterior), mas por ocorrer principalmente em países em desenvolvimento do hemisfério Sul, ela é considerada uma das doenças tropicais negligenciadas.
Isso significa que poucos ou nenhum esforço global para mitigar essa e outras enfermidades -que incluem dengue, leishmaniose, doença de Chagas, tuberculose, zika, entre outras- foram feitos de forma coordenada e com alto investimento em pesquisa.
Se na era pré-pandemia o mundo só ouvia falar de vacinas de terceira geração no meio acadêmico, o advento das vacinas contra Covid-19 de mRNA e de subunidades de proteínas possibilitou expandir essa tecnologia para buscar imunizantes contra outras doenças.
Foi utilizando a plataforma da empresa de biotecnologia Novavax AB (braço da Novavax norte-americana em Uppsala, na Suécia), que combina fragmentos de proteínas a uma matriz (uma espécie de envelope) sintética para carregar a informação às células humanas, que a vacina R21 nasceu.
As proteínas do parasita são expressas em um vírus modificado de hepatite B, que não infecta as células. Desse modo, o corpo identifica a proteína do invasor (do plasmódio) e começa a produção de anticorpos.
Diferente do coronavírus, o plasmódio que causa malária possui um genoma mais complexo, com milhares de genes compondo o seu DNA, em comparação à dúzia de genes -já sequenciados e amplamente conhecidos- do Sars-CoV-2. Por isso, desenvolver uma vacina de DNA ou de proteína "do zero" para a malária não era uma opção viável até então.
A ideia de uma "vacinologia do futuro" foi defendida em um artigo de perspectiva publicado na revista científica PNAS em janeiro de 2021. "Os avanços na seleção e criação dos antígenos [reconhecido pelo nosso organismo como corpo estranho] junto com o uso de plataformas sintéticas inovadoras, como as vacinas de DNA e RNA, vacinas com vetores e a disponibilidade de adjuvantes licenciados permitiram acelerar tanto a descoberta quanto desenvolvimento de candidatas a vacinas de forma sem precedentes", diz o texto.
Se o investimento pesado em ciência e tecnologia e na condução dos ensaios clínicos -em geral a parte mais custosa do desenvolvimento de uma droga ou vacina- continuarem, muitas outras vacinas promissoras podem ser descobertas e aprovadas, explica Luciana Leite, diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan.
Leite trabalha com o desenvolvimento de vacinas de BCG recombinante (que causa tuberculose) e afirma que há uma sensação de esperança nos grupos de pesquisa de doenças negligenciadas. "Tem um potencial [para produção de vacinas], agora temos que convencer os governos e agências de fomento que vale a pena investir parte desse esforço e usar as mesmas estratégias [de aceleração de ensaios clínicos] para outras doenças."
"O Brasil tem uma vantagem que é usufruir de uma boa estrutura para ensaios clínicos, e isso é o mais difícil de montar. Não adianta ter uma tecnologia, ter o produto para testar e não ter essa rede", diz.
Além disso, o processo final de produção e envase das vacinas, algo já realizado pelas duas principais instituições produtoras de imunobiológicos no Brasil, o Instituto Butantan e a Fiocruz, também é um fator determinante. "É importante que depois da Covid essas plantas não sejam desmontadas, porque o problema é que essas estruturas demoram a ser construídas, mas é muito rápido para desmontar."
As plantas fabris construídas para produzir as vacinas contra a Covid-19 serão um benefício adicional para o desenvolvimento de vacinas para outras enfermidades.
No caso da candidata a vacina da malária, elas serão produzidas no Instituto Serum da Índia, o mesmo que produz a vacina da Oxford/AstraZeneca contra a doença causada pelo coronavírus.
O centro possui capacidade de produzir mais de 200 milhões de doses da vacina assim que ela passar pelos testes e for aprovada para uso. Segundo autoridades de saúde que acompanham o estudo da vacina, é possível aguardar o registro nos próximos anos, ajudando assim a salvar muitas vidas.
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