O movimento ativista “Black Lives Matter” ou “Vidas negras importam” ganhou notoriedade internacional nos últimos tempos diante de episódios que demonstraram o oposto: desprezo, violência e morte de pessoas negras.
O termo vida inclui homens e mulheres e não se limita ao direito de somente existir. Aos negros, como a toda pessoa humana, deve-se garantir vida digna, acesso à saúde, educação e ao trabalho, por exemplo. Se vidas negras ainda têm sido discriminadas, como tem sido a realidade da mulher negra na busca de sua subsistência por meio do trabalho? Quais desafios enfrentam? Quais perspectivas para o futuro?
Em 2020, eu apresentei meu Trabalho de Conclusão de Curso, cujo objetivo é compreender os desafios e oportunidades da ascensão de mulheres negras a cargos de liderança nas áreas de Comunicação e Relações Públicas. Para a escolha do tema eu levei em consideração o meu lugar de fala, como mulher negra de origem periférica e futura relações-públicas, meu interesse em ocupar uma posição de destaque no mercado de trabalho, além de motivar outras mulheres a buscarem protagonismo em suas áreas de atuação.
O processo de construção do TCC envolveu uma série de desafios, que foram desde o Ensino a distância, em função da Pandemia, até a escassa representatividade de professores negros em minha universidade, minha banca por exemplo, final foi composta essencialmente por profissionais brancas.
No Brasil, a inserção da mulher negra no mercado de trabalho relaciona-se ao regime escravocrata. Entre os séculos XVI e XIX, milhões de africanos foram retirados de suas nacionalidades e trazidos ao país para trabalhar em lavouras de café e cana de açúcar. Subjugadas pelos seus senhores, cabia às mulheres negras satisfazer suas necessidades: de atividades domésticas até explorações sexuais. Após a extinção do regime escravocrata houve uma hierarquização da sociedade, novamente subjugando a população negra, mas agora, aos mais baixos patamares socioeconômicos.
Segundo a ativista social bell hooks, o movimento feminista foi uma das forças que possibilitou a inserção das mulheres no mercado de trabalho formal. Entretanto, ao passo que ativistas brancas se mobilizavam para ocupar estes espaços, mulheres negras correspondiam a um terço da mão de obra, porém em posições operacionais das quais mulheres brancas não se submetiam.
A ocupação de espaços no mercado de trabalho por mulheres configurava um símbolo de liberdade em relação à dominação masculina, pois, na concepção das ativistas, a autonomia econômica da mulher era imprescindível para sua libertação. Contudo, ressalta-se que o poder econômico conquistado por um grupo específico de mulheres foi obtido em detrimento da liberdade de outras.
Apesar dos avanços conquistados em diversos segmentos, a mulher negra vem sendo duplamente discriminada no mercado de trabalho, não só por sua identidade de gênero, mas também por sua etnia.
Segundo dados do IBGE (2018), mulheres representam 51,7% da população brasileira e possuem uma probabilidade 25% maior de concluir sua graduação e, ainda assim, não desfrutam de um papel de protagonismo no mercado de trabalho. Estas têm suas atividades desvalorizadas em relação às atividades profissionais dos homens e recebem salários que correspondem a três quartos do rendimento de seus pares masculinos.
A taxa de desemprego entre mulheres negras é 16% maior do que a de mulheres brancas, que corresponde a 11%. O rendimento médio de uma mulher negra é de R$ 1.476,00, enquanto de uma mulher branca é de R$ 2.529,00. Recente pesquisa conduzida pela consultoria Indique Uma Preta e Box1824 revelou ainda que “menos da metade das mulheres negras brasileiras exerce trabalho remunerado e apenas 8% das que trabalham no mercado formal ocupam cargos de gerente, diretora ou sócia proprietária de empresas” . Assim, é no ambiente de trabalho onde ocorre a maioria das condutas excludentes e discriminatórias.
Atualmente é possível observar maior visibilidade de pautas raciais na mídia, bem como a ampliação de ações afirmativas e políticas de diversidade específicas para pessoas negras. Todavia, deve-se analisar cuidadosamente a real intenção de tais iniciativas, tendo em vista que muitas empresas incorporam o discurso da diversidade em seus espaços visando apenas o lucro.
A inclusão plena de grupos minorizados que correspondem à diversidade ainda configura um desafio para muitas organizações. O professor de Relações Públicas Marcos Vinícius Bonfim apresenta algumas iniciativas que podem ser adotadas para tal inclusão, sendo elas: acesso, acolhimento, permanência e pós permanência. No mais, a organização deve assumir um compromisso ético e social, buscando compreender como as desigualdades raciais e de gênero se manifestam nas experiências das mulheres negras e de que forma tais desigualdades podem ser conjuntamente superadas.
Desta forma, será possível desenvolver ações que possam efetivamente promover equidade racial e de gênero e comprovar a importância da mulher negra para o mundo corporativo.
Samira Santos é uma mulher negra de origem periférica e ativista feminina que cursa Relações Públicas na Universidade de Sorocaba-SP. Texto original AzMinas
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