De vez em quando, aparecem na telinha, bem intencionadas sugestões para se preencherem as longas horas vazias de confinamento obrigatório, a que grande parte de nós estamos sujeitos. Um amigo gaiato, enumerou e critica algumas delas. Dar banho no cachorro, por exemplo. Regar as plantas. Telefonar aos amigos. Separar roupas para doação. Cozinhar, se não me engano. Pobre cachorro, ele diz, vai perder pelos com tanta lavagem.
As plantas preferem, ao que se diz, menos água do que muita, vão morrer afogadas. Preparar comida só para si, não tem muita graça. Fazer doação de roupas, muito bem, é verdade que em geral a gente tem mesmo muita coisa que não usa mais e pela qual tem apego, pena de descartar, isso quando tem tanta gente precisando. Assim como acontece com os sapatos, a exemplo de Imelda Marcos, lembram-se?
E eu recordo o avô de Hélène Cixous, (especialista em Clarice Lispector, vocês sabem) imigrante na Argélia, que dizia aos netos: a quem Deus deu dois pés, um par de sapatos basta. Vários de meus amigos estão doando livros a bibliotecas, muitos deles com dor no coração, quem ama os livros sabe de que estou falando. Mas o fato é que pessoas que podem se dar ao luxo de ficar em casa, como eu e você, sem necessitar de correr atrás do mínimo indispensável, para ir levando os dias, como nos é aconselhado, o coração escandalizado, pesado de tristeza e remorso diante de nossas mesas postas, se encontram diante do excesso de tempo de que dispõem para seguir vivendo. Verdade é que tem gente se dando, trabalhando, estudando, encorajando, ajudando outros a viver, repartindo, ensinando, escrevendo, lendo, os Indispensáveis, como escreveu alguém. Mas, e o tempo que passa? o tempo, que fazer com ele? No belo poema A Luis Mauricio, infante, Carlos Drummond de Andrade coloca esta pergunta ao neto que acabara de nascer, e a quem promete mostrar o mundo. Um primeiro conselho: “Não chores mais que um tiquinho.” Justifica: “Se as crianças da América choram em coro, que seria, digamos, do teu vizinho?”
Luis Mauricio não deve prantear mais que o necessário. Pois “os olhos se inflamam depressa, e do mundo o espetáculo é vário e pode ser visto e amado.” Mas, continua Drummond: “Como adivinhar o que cada hora traz em si de plenitude e sacrificio?” Entrega-lhe um segredo: “Seja antes de alegria subterrânea que de soturno medo tua conexão contigo mesmo.” Pois “a vida nos excede e temos de enfrentá-la com poderosos recursos.” Nestes tempos nos quais a realidade ultrapassa qualquer compreensão em nosso país, a voz do poeta ressoa mais que nunca, atual. Os poetas sempre têm razão.
Luzilá Gonçalves Ferreira-Membro da Academia Pernambucana de Letras
Espaço Leitor
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