As diversas dificuldades enfrentadas pelas mulheres de comunidades rurais no interior do Nordeste para ter acesso ao auxílio emergencial durante a pandemia de Covid-19, em 2020, foram constatadas num estudo realizado por um grupo de pesquisadoras das Universidades Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Instituto Federal do Ceará (IFCE).
Dificuldades de deslocamento e com a divisão do trabalho doméstico figuram entre os resultados apontados pela pesquisa. O estudo conquistou o prêmio de melhor trabalho na categoria Ensaio, no IX Concurso Anual Sudamericano para Jóvenes: Derechos Campesinos y Dinámicas Territoriales em Tiempos del Covid-19, promovido pelo Instituto para el Desarrollo Rural de Sudamérica (IPDRS), da Bolívia.
O ensaio, intitulado “Mobilidade urbano-rural como entrave no acesso às políticas públicas em tempos pandêmicos: o drama das mulheres rurais do Nordeste brasileiro”, foi elaborado pelas pesquisadoras Bárbara Cristina Vieira da Silva, egressa do curso de Ciências Biológicas da Univasf; Lorena Lima de Moraes professora da UFRPE, Unidade Acadêmica de Serra Talhada (PE), que coordenou o estudo; e Tatiane Vieira Barros, antropóloga e professora do IFCE, Campus Itapipoca. As dificuldades de acesso a serviços públicos vivenciadas pelas populações rurais, como transporte, agências bancárias, disponibilidade de internet e sinal de telefone aliadas à inexistência de políticas públicas voltadas às áreas de saúde, educação e mobilidade no meio rural, se acirraram durante a pandemia.
Segundo Bárbara, que se formou em Ciências Biológicas no semestre suplementar 2020.3, tudo isso “faz com que essas famílias precisem realizar viagens que acabam custando caro financeiramente e fisicamente, principalmente para as mulheres que compõem o núcleo familiar, que precisam organizar o tempo entre os cuidados com a casa e as crianças, o trabalho na roça e as viagens até o centro urbano para que possam acessar esses serviços”. Além de lidar com as atividades da rotina familiar e com os problemas gerados pela pandemia, as mulheres rurais precisaram superar muitas barreiras para receber o auxílio governamental, tendo que arcar com muitos custos extras para voltar para casa com o recurso.
A pesquisa contou com a participação de 74 mulheres de comunidades rurais e tradicionais (53% quilombolas; 32% agricultoras familiares e 15% de comunidades de fundo de pasto) residentes em 23 comunidades pertencentes a 11 cidades do interior dos estados de Pernambuco, Bahia e Ceará. Por meio de ligações telefônicas e aplicativo de mensagens, as entrevistadas compartilharam suas histórias com as pesquisadoras no período de junho a agosto de 2020.
“A maioria das mulheres participantes era negra (87%), casada ou se encontrava em união estável (70%). Quanto à ocupação, 82% das entrevistadas são agricultoras, porém, destas 23% dividem essa ocupação com outras, tais como professora, dona de casa, artesã, empregada doméstica, lavadeira e padeira. Também são maioria quando se refere à referência financeira na família (50%), uma vez que a sua principal renda estável é proveniente do Programa Bolsa Família (PBF)”, conta Bárbara, que também é pesquisadora do Grupo de Estudos em Análises de Modelagem, Etnobiologia, Ecologia e Ecofeminismos (Geames), vinculado ao Colegiado de Ciências Biológicas (CCBIO) da Univasf.
O estudo contou ainda com a participação de outras pesquisadoras que integram a Rede Interdisciplinar de Mulheres Acadêmicas do Semiárido (RIMAS): Rebeca Mascarenhas Fonseca Barreto, professora do CCBIO e coordenadora do Geames; Nicole Pontes, professora da UFRPE; e Shana Sieber Sampaio, pesquisadora do DADÁ: Grupo de Pesquisa em Relações de Gênero, Sexualidade e Saúde da UFRPE, Unidade Acadêmica de Serra Talhada (PE). A professora Rebeca Barreto destaca que o prêmio é importante para trazer maior visibilidade para a área do estudo, que foi a região Nordeste e para as Universidades que participaram da pesquisa. “Além disso, demonstra a relevância do tema da pesquisa, que foram as mulheres residentes na zona rural, muitas vezes invisibilizadas pela meio acadêmico e científico”, afirma a coordenadora do Geames, que é vinculado ao Laboratório de Zoologia dos Vertebrados da Univasf.
A premiação do IX Concurso Anual Sudamericano para Jóvenes: Derechos Campesinos y Dinámicas Territoriales em Tiempos del Covid-19 foi realizada no último dia 11 de março em La Paz, capital da Bolívia, onde está localizado o IPDRS, uma organização da sociedade civil criada em 2009, que visa promover parcerias e ações de desenvolvimento rural de base campesina e indígena na América do Sul. Em virtude da pandemia, as pesquisadoras brasileiras não participaram presencialmente da cerimônia de entrega do prêmio.
Bárbara atribui a conquista do primeiro lugar na categoria Ensaio a toda a equipe de pesquisadoras envolvidas com o estudo, apesar de algumas não terem participado do concurso devido a restrições de faixa etária estabelecidas pelos organizadores.
“Vejo o prêmio como um estímulo para dar continuidade às pesquisas com as mulheres do campo. A premiação é de toda a equipe que participou e de todas as mulheres que disponibilizam seu tempo, mesmo com muitas tarefas em casa e no campo e com toda a problemática da pandemia, para participar da pesquisa. Quando falo em estímulo para continuar, falo não só da importância acadêmica, mas também a de estimular essas mulheres a lutar pelos seus direitos e participar de maneira ativa das decisões do Estado que possam influenciar, direta ou indiretamente, nas suas rotinas”, conclui a pesquisadora.
Ascom Univasf
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