Em razão da Pandemia, os nossos movimentos se tornaram condicionados a espaços restritos e hábitos protocolizados, o que nos leva a viajar no tempo, revivendo as saudades de passeios nacionais e internacionais, os afáveis encontros com os amigos, visitar cidades etc. Com mais tempo para pensar, obviamente que as reflexões nos despertam para boas ou, às vezes, más recordações.
Assim é que, num momento de lembranças do sempre querido rincão de Uauá, a “Capital do Bode”, onde, durante 10 anos, tive o prazer de conviver profissionalmente, fui induzido pela memória a recordar e reeditar a crônica sob o título acima, que completará 10 anos de publicada, ou exatamente em 12 de outubro de 2011, inspirada num instante de romantismo, e que outro não poderia ser o título: O LUAR DO SERTÃO!
Ao lado de tantos encantamentos que o sertão oferece, o texto deu título e realce à sua beleza mais emblemática, o LUAR. Mas, não poderia esquecer o lado cultural da terra, e assim dediquei um parágrafo à ímpar e marcante personalidade do ilustre amigo Coronel Jerônimo Rodrigues Ribeiro, de saudosa memória, porque falecido em 29 de janeiro de 2015, há 6 anos! Eis a crônica de 10 anos atrás:
“Embora cearense no sobrenome, foi um maranhense de São Luís quem exaltou com singela e rara exuberância as inolvidáveis belezas do Luar do Sertão. Quem, em algum momento da vida, já não cantou com enlevo e romantismo os versos de Catulo da Paixão Cearense, verdadeiro hino de louvação ao sertão? “Não há, ó gente não há, luar como este do sertão”, traz o estigma da paixão profunda pelos encantos das terras semiáridas do sertão, que não têm as águas verdes do mar a banhá-las, mas tem a noite iluminada pela riqueza celestial dos astros.
Quando escura, a noite é o apanágio dos fracos e dos possuídos por inconfessáveis propósitos; quando sob o brilho suave do luar, torna-se o aconchego dos boêmios e românticos, envolvidos pelas doçuras do amor.
A divindade sábia e incomensurável do Criador estabeleceu regras básicas de justiça e convivência com a grandiosidade da criação. Tudo foi dividido com equidade. Se de um lado as agruras da seca trazem ao sertão a fome, o sofrimento e a morte, ao litoral a chuva traz a tragédia das águas, inundando de dor o desprotegido homem urbano. Se o mar banha as praias e traz um refrigério de paz e prazer aos seus veranistas, o sertão tem o privilégio do luar inusitado e encantador, sem qualquer similaridade com as noites metropolitanas, cujas montanhas de cimento ofuscam e impedem o deleite do luar.
A caatinga, baixa ou rasteira, no crepitar dos seus galhos secos e sol implacável, parece esperar os estertores finais de uma vida de seca, como se hibernasse à espera de uma gota da chuva salvadora. Durante o dia os buracos no solo ou as lapas de pedras se tornam no esconderijo protetor dos répteis, que fogem do calor abrasador do sertão; à noite, por entre os gravetos e cipós retorcidos eles saem à caça ou simplesmente buscam a contemplação do luar, favorecidos na sua pequenez pela natureza que desfolhou as árvores, como se lhes abrissem as cortinas da beleza e do encantamento.
Tenho o privilégio de ser sertanejo por adoção espontânea. A experiência com o solo e a gente sertaneja trouxe-me lições de sensibilidade de como é viver e sentir o sertão, com as suas carências e grandiosidades. Em Uauá, prazerosamente, tive a honra de conhecer uma figura da maior magnitude moral, autodidata das letras e das palavras, cujo nome identifica com galhardia a sua terra e enriquece uma convivência cultural: Coronel Jerônimo Rodrigues Ribeiro.
Voltei, novamente para o sertão de Uauá, sem jamais ter saído dele, espiritualmente. Voltei, para a contemplação de sua beleza maior e de incomensurável magnitude: o Luar do Sertão. Como disse Catulo da Paixão Cearense: Esse luar cá da cidade, tão escuro, não tem aquela saudade, do luar do sertão”.
Superada a tragédia dessa triste Pandemia, espero voltar, e não economizarei palavras sobre esse extraordinário Povo Sertanejo, que tem uma fonte de sabedoria e de simplicidade, inesgotável, para encantar o mundo inteiro, se necessário for.
Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público – de Salvador - BA.
23 comentários
14 de Feb / 2021 às 23h11
Belo Artigo... Belo luar da ilustração. Entendo o momento romântico do autor. A vida tem dessas coisas que ainda nos fazem e nos deixam mais humanizados! Ainda bem...
14 de Feb / 2021 às 23h14
Agenor, da mesma forma que a pandemia condicionou os nossos espaços e nossos hábitos, também nos proporcionou mais tempo para meditar, despertar boas ou, más recordações como você mesmo disse. Você foi muito feliz ao escolher o artigo Luar do Sertão, que retrata apenas momentos bons, a cada um que vivenciou e que desejaria reviver. Quando você pergunta “Quem, em algum momento da vida, já não cantou com enlevo e romantismo os versos de Catulo da Paixão Cearense, verdadeiro hino de louvação ao sertão? ”, eu posso afirmar que são muito poucos.
14 de Feb / 2021 às 23h33
Caro Agenor, Belo texto. Linda imagem! Ótimo tema. Quando pensei que estava na "introdução", terminou... Espero a continuação. (Salvador-BA).
14 de Feb / 2021 às 23h36
Todas as suas crônicas são de agradável leitura! Essa, porém, superou todas as anteriores, por seu conteúdo poético, bucólico e de inefável beleza. O povo de Uauá deve estar se debulhando de orgulho e alegria. Só me cabe uma palavra: PARABÉNS!!! (Miraí-MG).
14 de Feb / 2021 às 23h40
Viva o sertão! Viva seu luar! Viva o escritor! Parabéns! (Recife-PE).
14 de Feb / 2021 às 23h43
Bela crônica, vez o sertão apesar da pobreza, sofrimento, miséria, exploração dos políticos, é um povo feliz, criativo, e disse Euclides da Cunha: “sertanejo é antes de tudo um forte”! Tenho orgulho de ser sertanejo autêntico como da região de Iaçu e Itaberaba! Sol inclemente, porém, quando chove a fartura é surpreendente! (Alagoinhas-BA).
15 de Feb / 2021 às 00h19
Bravo amigo!! Parabéns! (Feira de Santana-BA).
15 de Feb / 2021 às 00h23
Parabéns pela excelente crônica amigo Agenor e parabéns, também, a todos sertanejos e sertanejas (Maracás-BA).
15 de Feb / 2021 às 00h26
Bela crônica Agenor. Parabéns! (Salvador-BA).
15 de Feb / 2021 às 00h28
Maravilhoso!!
15 de Feb / 2021 às 00h31
Que lindo! Muito boa e merecida homenagem ao Luar do Sertão! Parabéns amigo! (Rio de Janeiro-RJ)
15 de Feb / 2021 às 08h13
Parabéns amigo por tão belas e poéticas palavras que descrevem com exatidão a exuberância das belezas dó sertão “da roça”. (Rio de Janeiro-RJ).
15 de Feb / 2021 às 08h15
Bravo amigo!! Parabéns! (Feira de Santana-BA).
15 de Feb / 2021 às 08h17
Como seguidor assíduo de suas crônicas, nesse sábado, especialmente, tive a grata satisfação da leitura de um texto suave, onde o nobre cronista, nos dá a certeza da sua refinada sensibilidade, nos levando, ao longo da leitura, mergulhar nessa vivencia, oportunidade que nos faz ampliar nossa visão periférica, coisa que os afazeres diários muitas vezes nos impede de perceber que o belo está no simples, onde reside a verdadeira essência da vida, pois desse ponto de vista, podemos ver para além da matéria que nos cerca e aprisiona, interagindo com profundidade do sutil, despercebida (cont.)
15 de Feb / 2021 às 08h18
(continuação) ... por muitos, mas eternamente presente. Luar do sertão e causos sob uma algaroba no terreiro da casa, o sertanejo em monólogo, sob gargalhadas e apreensão da criançada que acompanha com atenção o desfecho da estória, nos faz compreender que o tempo e o espaço é apenas uma convenção. (Salvador-BA).
15 de Feb / 2021 às 08h22
Concordo contigo: em tempos pandêmicos e de "clausura", muitas foram as vezes em que me peguei a rememorar fatos e "causos", pessoas e lugares. Só vivi três anos em Irecê; o restante dos meus 69 anos, vivi no Estado de São Paulo, sendo mais de 20 na Capital. E realmente, o luar do sertão e o brilho daquela imensidão de estrelas, são inesquecíveis. Vejo com alegria como Irecê melhorou, tornou-se uma cidade mais organizada, mais limpa, com uma estrutura básica de saúde e com a abençoada água "doce".
15 de Feb / 2021 às 08h23
Uma das coisas que essa pandemia nos mostrou mais uma vez é a beleza da liberdade, de poder ir e vir, de sair por aí visitando amigos, compartilhando uma cerveja (ou várias) ou um bom vinho e discutindo (no bom sentido), teorias, fatos, livros, etc. Que bom que temos tanto a lembrar e mais ainda a sonhar, não é mesmo? (São Paulo-SP).
15 de Feb / 2021 às 08h39
Como sempre, mandando bem nas crônicas. Essa em especial não podia deixar de comentar, pois os petiscos de bode que sua esposa faz, são a marca registrada de Uauá. (Maracás-BA).
15 de Feb / 2021 às 08h42
Em momentos turbulentos como o atual, é muito bom rever o que nos encanta e traz brilho as nossas vidas. Esta bela crônica nos devolve o sentimento de humanidade e beleza que tanto tem faltado nos dias difíceis em que vivemos. O nordeste nos encanta com a força do seu povo e a riqueza da sua literatura. Que se reflete nas palavras deste nosso cronista que admiramos. FOZ DO IGUAÇU
15 de Feb / 2021 às 08h43
Belíssimo texto... aplaudo de pé! Magnífico! Nota 10! Parabéns! (Salvador-BA).
15 de Feb / 2021 às 08h45
Como sertaneja que sou, senti a veracidade da sua crônica. Parabéns! (Salvador-BA)
15 de Feb / 2021 às 08h50
Muito boa. Parabéns. (Salvador-BA).
15 de Feb / 2021 às 09h17
Parabéns, meu amigo! (Feira de Santana-BA).