A intimidade do coletivo mais criativo da MPB. Uma frase como essa poderia vir estampada na capa de "Caí na Estrada com os Novos Baianos", envolvente e muito engraçado livro de memórias de Marília Aguiar, que viveu no olho desse furacão hippie desde seu início.
Menina paulistana, estudante de jornalismo, ela se uniu a Paulinho Boca de Cantor no final de 1969, quando a trupe que inicialmente tinha também Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Baby Consuelo e Luiz Galvão era só um punhado de baianos divertidos meio perdidos entre São Paulo e o Rio de Janeiro. A banda morou junto até a sua dissolução, em 1979.
"Eu nunca tive intenção de escrever. Faço produção de show, o que exige uma dedicação muito grande", conta a autora. Em 2017, cuidando de uma turnê de Simone e Zélia Duncan, ela arrancava gargalhadas das cantoras com suas histórias com os Novos Baianos.
Zélia insistiu para que ela escrevesse um livro. Não por acaso, a cantora é autora do prefácio. "Só queria contar as histórias, todas reais, como eu contei para elas, sem compromisso."
Antes de estabelecer residência no mítico sítio em Jacarepaguá, em meados dos anos 1970, os Novos Baianos chegaram a ser, literalmente, nômades. Sem dinheiro, compartilhavam as poucas roupas. Comiam e dormiam em casas de amigos. A "tática" era simples e bem cara de pau. Chegavam antes do jantar e iam ficando. Enquanto anoitecia, cada um começava a dormir em um canto, para acordar só pela manhã.
"Ninguém tinha dinheiro e isso não era problema para a gente", conta Marilinha, como era chamada. Em momento algum eles discutiam sobre sua opção de vida. "A gente não conversava sobre isso, não teorizava se era hippie ou não. A gente não teorizava sobre nada."
Os Novos Baianos produziram seus grandes discos na primeira metade dos anos 1970, conquistando críticos e fãs com sua mistura inusitada de ritmos brasileiros e espírito rock and roll. O que surpreende bastante no livro é saber que, mesmo já lançando álbuns no mercado, continuavam vivendo sem dinheiro.
Quando entrava pagamento de algum show, compravam alguma comida (tinham filhos pequenos na comunidade), muita maconha e, sempre, equipamento para o time de futebol. A paixão de todos pela bola é muito conhecida, mas a intensidade da dedicação ao futebol é outra surpresa do livro.
O futebol era mais importante do que a música. Não aceitavam agenda da gravadora no horário vespertino do sagrado joguinho diário. Chegaram a faltar a uma gravação para o Fantástico, na época a maior divulgação nacional almejada pelos artistas, por causa do futebol.
"Quando pintava dinheiro, iam até a lojinha do Nilton Santos comprar material para o time", conta Marília. "Levavam tudo nas turnês. Tinham uma malinha de primeiros-socorros com a inscrição Novos Baianos Futebol Clube. Tinha até massagista, que era um índio argentino que morava com a gente.
A crítica musical dedicou muito tempo a analisar as propostas estéticas da banda contidas em álbuns essenciais na MPB como "Acabou Chorare", de 1972, e "Novos Baianos F. C.", de 1973, mas a autora pode decepcionar especialistas ao contar que os integrantes não discutiam em momento algum os caminhos de sua música.
"Era muito intuitivo. Completamente natural. Eles não conversavam sobre isso, não teorizavam. Moraes já acordava com o violão, antes de escovar os dentes estava tocando. Pepeu sentava junto e eles tocavam, sem conversar. Aí Galvão pegava um papelzinho e escrevia a letra. Estava pronto, sem falação", recorda a autora.
Narrado em ritmo de conversa de amigos, com informalidade e humor, "Caí na Estrada com os Novos Baianos" tem lugar numa biblioteca básica da MPB.
0 comentários