Diante das reações controversas geradas pelo anúncio de fechamento do comércio não essencial de Belo Horizonte, o infectologista Carlos Starling, membro do Comitê Municipal de Enfrentamento à COVID-19, faz um apelo à população da capital, sobretudo aos lojistas.
“Entendam que a medida não foi tomada para punir o comércio, muito menos culpar esse setor, ou qualquer outro pelo avanço da pandemia na cidade. A ideia é reduzir a mobilidade social em BH, uma vez que o momento é crítico. Precisamos, portanto, suspender ao máximo as atividades que geram circulação na cidade, o que, infelizmente, inclui os estabelecimentos não essenciais”, esclareceu o infectologista.
O aumento do rigor dos protocolos sanitários em BH foi comunicado pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD) em entrevista coletiva concedida ontem quarta-feira (6). Pouco depois do evento, a Câmara dos Diretores Lojistas (CDL/BH) enviou um ofício à prefeitura, reivindicando que os empreendimentos permaneçam abertos. O documento alega não haver evidências de que a reabertura das lojas esteja relacionada ao aumento de casos de COVID-19 no município.
Starling explica que a decisão da PBH não se baseia numa relação direta de causa e efeito entre o funcionamento do comércio e recrudescimento da epidemia. “O comitê não recomendou à prefeitura que fechasse a cidade porque as pessoas têm se aglomerado ao sair às compras, por exemplo. É mais complexo”.
Ele afirma que a suspensão das atividades é necessária para reduzir a circulação geral de pessoas, fator que pressiona o sistema de saúde - atualmente, próximo do estrangulamento, com ocupação recorde das UTIs. “Lojas funcionando significam mais gente na rua se aglomerando no transporte público para ir trabalhar, mais acidentes, mais vítimas da violência urbana, por exemplo. Se seguirmos com as portas abertas, a rede de atendimento vai entrar em colapso muito em breve”, avisa o especialista.
“E, ainda que tivéssemos mais leitos disponíveis, vamos lembrar que não temos profissionais de saúde sobrando, nem conseguimos fazer contratações do dia para a noite. E o pessoal que temos está sobrecarregado”, completa.
Ele observa que o avanço da pandemia em Belo Horizonte e em diversas localidades do país é, em parte, fruto do comportamento imprudente da população principalmente nos últimos dois meses. “As pessoas têm agido como se já tivéssemos vacina. Lotam praias, fizeram festas de Natal, de Réveillon… Enfim, estamos colhendo os resultados. Ocorre que não adianta dizer ao poder público que ‘vá lá cobrar dessas pessoas’. Precisamos agir para evitar o pior e, infelizmente, o sacrifício é coletivo. Sem vacina, o que nos resta é o isolamento. A boa notícia é que é um último sacrifício, pois a vacina está chegando”, pondera Carlos Starling.
O médico argumenta, por fim, que os indicadores considerados para o fechamento do comércio são os mesmos monitorados desde o início da pandemia: número médio de transmissão por infectado (RT), taxa de lotação dos leitos de UTI e de enfermaria. O primeiro índice, que mede a velocidade da epidemia, está em 1,06, ou seja: acima do valor desejável, que é de 1. Em alerta vermelho, a ocupação das UTIs atingiu 86,5%, enquanto 63,9% das enfermarias estão em uso. A incidência de casos de COVID-19 por cem mil habitantes também preocupa: são163/100 mil, média classificada pela agência americana Centers for Disease Control and Prevention (CDC) como de alto risco.
“Portanto, não há surpresa. A situação é, sem dúvida, desgradável para todos. Mas é bom lembrar o que o colapso da saúde significa. Nesse contexto, as pessoas não morrem só de COVID-19. Morrem de câncer, de infarto, de AVC, de acidente, pois a pandemia pressiona tanto o sistema, que não sobra estrutura para atender paciente de nenhuma natureza. Queremos morrer em filas de espera de hospital, dentro de carros ou de casa, como já acontece em algumas cidades brasileiras? Vamos refletir”, conclui Starling.
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