Forró eletrônico faz 30 anos. A vertente que modificou o "forró tradicional", eternizado por vozes como Luiz Gonzaga, Elba Ramalho e Dominguinhos atinge três décadas.
A Mastruz com Leite e as outras bandas do começo dos anos 90 incorporaram elementos que não faziam parte do jeito tradicional em que se tocava forró.
As bandas trouxeram letras mais urbanas, deixaram a bateria mais programada e, inicialmente, parecem ter inovado ao trazer novos instrumentos, mas não é bem assim. Quem explica é Climério Oliveira dos Santos, músico, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco.
"Eles enfatizaram instrumentos como guitarra, bateria e metais, mas não criaram isso. O Jorge do Altinho já tinha usado isso nos anos 80 e Jackson de Pandeiro já tinha feito bem antes.
"A Mastruz com Leite usava só um sax, e depois, na segunda geração de bandas, os metais viram um naipe que vão praticamente substituir, ou melhor, vão fazer mais o papel dos interlúdios, dos solos, do que a própria sanfona", explica o pesquisador.
O pesquisador divide o movimento que ficou conhecido também como Oxente Music ou New Forró, em duas gerações. A primeira geração com bandas como Mastruz Com Leite, Magníficos e Limão Com Mel e a segunda, com Calcinha Preta, Aviões do Forró, Saia Rodada e Garota Safada, criadas do meio dos anos 90 até o começo dos 2000.
Santos percebe que o movimento no forró foi natural e fez parte da tendência pop que estava em alta na indústria da música no mundo inteiro.
"Já tinha no mundo globalizado da indústria transnacional do disco artistas como Michael Jackson e Madonna. Eles já tinham engendrado esse fluxo de música pop, dos grandes espetáculos, dos clipes grandiosos, muita luz, muito som", explica o pesquisador.
Ele cita a axé music como outro exemplo de tendência pop. O que não era natural era a estrutura 360 graus que Emanoel Gurgel, o empresário construiu em Fortaleza.
"Era uma nova gestão empresarial de banda-empresa. Houve uma sobreposição de atividades às quais as gravadoras estavam fazendo exatamente o contrário. Ao terceirizar o papel da rádio na divulgação, o papel do estúdio de gravação, as empresas ficavam mais com a distribuição e o marketing. O Emanoel Gurgel vai inverter esses papéis e retomar a sobreposição dessas atividades".
Batista Lima, ex-vocalista da Limão com Mel, acredita que o forró ganharia muito se os artistas fossem mais unidos. A "divisão" de alguns artistas tradicionais, as bandas famosas no anos 90 e os artistas que vieram depois prejudica o crescimento e a força do gênero, segundo ele.
O cantor pernambucano foi a voz da banda Limão com Mel por 22 anos. Além de vocalista, foi diretor musical de 2000 até 2014, quando saiu em carreira solo.
São dele sucessos como "Toma Conta de Mim", "E Tome Amor", "Um Amor de Novela", "Vivendo de Solidão", "Minha Vida sem Você". Essas músicas trouxeram exposição nacional nos anos 90 e começo dos 2000. Ouça história no podcast abaixo.
Nesta semana, o G1 publica uma série de reportagens sobre artistas e produtores que viveram o auge do forró nos anos 90.
A Limão com Mel foi criada em Salgueiro, em Pernambuco, em 1993, acompanhando o movimento do forró eletrônico de bandas como Mastruz com Leite, Cavalo de Pau, Eliane, a Rainha do Forró e Magníficos.
Para Batista, o mesmo momento de auge do movimento "Oxente Music" ou "New Forró" foi também a hora em que os artistas começaram a se dividir.
"Não por discussões, mas houve uma barreira a respeito de 'o forró verdadeiro é esse' e começou uma discussão entre classes, entre movimentos", diz.
"Acho que isso prejudicou bastante o crescimento do forró, que eu acredito até como a frase do próprio Jesus diz: "Todo reino dividido contra si mesmo não prospera".
O cantor cita com admiração a relação de artistas baianos, como Ivete Sangalo e Luiz Caldas e Gilberto Gil, e dos cantores de sertanejo de diferentes gerações.
"Artistas do forró tradicional, às vezes, não dividem o palco com a gente e, eu conheço bandas de forró romântico que não querem dividir com Wesley ou com bandas do movimento atual de hoje, esse estilo mais dançante, mais balada".
Batista percebe dois motivos como principais para essa suposta divisão entre movimentos, e defende a união de todo mundo.
A primeira queixa é a musicalidade: "Mexeu muito, mudou muito na essência do forró no que era no que começou".
A segunda tem mais a ver com o ego: "De achar que o meu movimento é o melhor, é o verdadeiro e o outro não é. Enfim a gente começa a viver essa divisão, não de todos, mas às vezes até do próprio fã, de quem encabeça o movimento que diz que 'o meu movimento é o verdadeiro'".
Batista vê com naturalidade que o forró dos anos 90/2000 não esteja no auge das paradas hoje em dia. A banda chegou a fazer 366 shows por ano de 2003 a 2006, mas, antes da pandemia, a agenda era preenchida apenas nos finais de semana.
"Agora é o momento de outros movimentos e a gente tem que respeitar sim, eles passaram muitos anos esperando por essa oportunidade", diz o ex-vocalista da Limão com Mel.
"Todo ano vai surgir um produto novo, vai acontecer e a gente tem que ter muita maturidade para saber que nós temos o nosso público, que a gente tem respeito", completa.
Batista, no entanto, critica a estrutura das rádios: "Você tocava [antes] porque as rádios faziam questão de colocar seu sucesso, mas agora elas fazem questão de saber quanto você tem para tocar o seu sucesso".
"É uma disputa muito difícil, é uma luta desonesta", diz. "Eu acredito que o Nordeste está fazendo como aquela pessoa que tira os membros da sua casa, coloca na rua e coloca os de fora para dentro".
"Então está acontecendo assim, por isso que, infelizmente, a gente não está tão em evidência. Se você der um passeio aqui no Nordeste e ligar as rádios, vai perceber que pouquíssimas tocam o forró, a não ser os grandes que estão em evidência. Para os artistas independentes, realmente é um pouco mais difícil".
A Limão com Mel chegou a fazer turnê pelo Brasil com uma grande equipe no palco e nos bastidores. Todos eram funcionários do escritório com carteira assinada.
As ideias mirabolantes de sair de um limão na abertura do show ou de sentar em uma lua cenográfica são do próprio Batista, por exemplo.
"Eu cresci na frente de uma televisão, sou cinéfilo, apaixonado por filmes, shows, documentários. Eu ficava sempre me atualizando e chegava com as minhas maluquices...", lembra.
Outro destaque que Batista faz questão de citar é o DVD Acústico In Concert, gravado no teatro da Universidade Federal de Pernambuco, com 45 integrantes da Orquestra Sinfônica do Recife em 2006.
"Foram várias ousadias: orquestra sinfônica no forró, solos de piano no forró, músicas que passavam 1:40, 1:45 sem entrar o forró, começava totalmente romântica e instrumental", explica.
O cantor justifica que a estrutura não se mantém hoje por uma questão de mercado: "Não que a gente não faça sucesso, mas nós não estamos em evidência, então fica difícil levar uma mega estrutura onde o cachê é menos da metade daquele valor que a gente recebia antigamente".
Depois de 22 anos, Batista Lima deixou a Limão com Mel para seguir em carreira solo em 2014. A decisão foi tranquila e em harmonia com a banda, segundo ele.
No repertório, o cantor levou os grandes sucessos que escreveu como "Toma Conta De mim", "Vivendo de Solidão" e "Amor de Novela" e modificou os arranjos.
"Peguei aquelas canções da minha autoria, peguei outras canções do momento, músicas novas minhas e coloquei uma pitada mais dançante, mas todas com letras e essências românticas", diz.
"Foi um grande desafio mudar o ritmo, mas eu tinha que mudar. A Limão já tinha a identidade criada, eu precisava criar a minha, criar meu próprio estilo". Mesmo com a pandemia e com a rotina intensa na Limão, Batista diz que 2020 foi um ano de muito trabalho.
"Eu acho que eu nunca trabalhei tanto na minha vida como eu tenho trabalhado agora", diz sobre a carreira solo e o estúdio que administra.
"O meu dia a dia hoje é trabalhar junto com os projetos da igreja, trabalhar no meu estúdio, ser proprietário, viajar com a banda, produzir outros artistas. Agora, principalmente, a época de campanha foi muito puxada com as produções, muitas gravações".
"A carga nunca teve tanto nas minhas costas como hoje, mas eu assumi o compromisso de comandar. Você sai um pouco do holofote, mas trabalha muito porque não para de criar nem de produzir".
Para o primeiro semestre de 2021, Batista deve lançar um EP com seis parcerias com participações de cantoras amigas. Até lá, vai fazendo shows reduzidos para atender aos protocolos de segurança por conta da pandemia.
"Aquela casa que cabiam 1000 pessoas, só vai caber 200, 300 pessoas. É a forma da gente tentar faturar alguma coisa, mesmo pouco, para tentar sobreviver na pandemia", finaliza.
Gabriela Sarmento, G1 Foto Ilustrativa
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