Nova Usina Hidrelétrica: Ribeirinhos discutem os possíveis impactos ambientais, patrimônio histórico, turístico e cultural ameaçado

A população ribeirinha dos municípios a serem atingidos pelos impactos da Usina Hidrelétrica do rio Formoso, em Pirapora, demonstra sentimentos de tristeza e indignação, pois a área inundada será de aproximadamente 324 km2.

O alagamento pode afetar locais importantes de preservação ambiental, turística, histórica e cultural. Em Três Marias, por exemplo, no Alto São Francisco, lugares como Pontal do Abaeté, Capela de Manuelzão e Barra do Rio De-Janeiro poderão desaparecer completamente, ficando submersos após a construção da barragem. 

O pescador Milton Odair, mais conhecido como “Biguá”, também atua como guia de pesca na região de Três Marias e bairro Beira Rio, pertencente ao município de São Gonçalo do Abaeté. Segundo ele, há informações sobre chegada de materiais para construção da usina em Pirapora e Buritizeiro e a indignação da comunidade é geral.

“O impacto ambiental, social e cultural é incalculável, não tenho como expressar minha indignação. Na parte cultural, o De-Janeiro vai deixar de existir, não estou vendo mobilização das autoridades políticas. Entramos com uma petição eletrônica, todos estão indignados, mas infelizmente a licença ambiental dessa obra foi assinada, é uma tristeza enorme”, lamenta.

A Barra do De-Janeiro possui grande valor histórico e cultural, pois foi lá que aconteceu o primeiro encontro entre os personagens Riobaldo e Diadorim, do clássico “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. A Capela de Manuelzão também integra a literatura Roseana e o Pontal do Abaeté serviu de porto durante muito tempo para chegada de mercadorias e pessoas. Esses locais constam no livro de inventário do Patrimônio Cultural de Três Marias e podem ser atingidos pelas águas da barragem.

PREOCUPAÇÃO: Juliana Pinheiro Pereira é dona e moradora de uma pousada na região do De-Janeiro. Na propriedade, administrada junto com o marido, a preocupação com a sustentabilidade é constante. Ela lamenta que toda essa dedicação será inundada. “Acabamos de chegar e vamos sumir do mapa, pois tem dois anos e meio que estamos aqui. O impacto é ainda maior na vida dos moradores mais antigos do lugar, porque já construíram uma história”, desabafa.  Juliana tem conversado com diversas pessoas nos vilarejos da região onde está localizada a pousada. Segundo ela, os moradores demonstram resistência e dizem deixar o local somente quando a água chegar.

Quando chegou à região, a história da UHE Formoso era apenas um mito e agora se torna realidade. “Já saiu no Diário Oficial, porém ainda não fomos abordados por ninguém da usina, mas ouvimos muitas histórias, inclusive de pesquisadores do IBAMA já hospedados nos ranchos da região”.  Antes de instalar a pousada, Juliana relata que a área era totalmente degradada, com boa parte queimada e, nesse pouco tempo, fizeram um sistema agroflorestal, recuperando o solo, a vegetação e a fauna do lugar. “É muito triste imaginar que tudo isso aqui será alagado, as indenizações não pagam toda uma história, uma vida. Existem outras formas de produzir energia e por que essa destruição toda com a natureza?”, indaga com a voz embargada.

O mesmo sentimento é compartilhado por Mariana Moreira Peixoto, também moradora e proprietária de um rancho, localizado a três quilômetros do Pontal do Abaeté, um vilarejo situado no encontro dos rios São Francisco e Abaeté. “Pelo o que ficamos sabendo, vamos sim sofrer muito com tudo isso. É realmente desesperador, tudo o que conquistamos até hoje vai simplesmente desaparecer debaixo d’água. Aqui tem muitos moradores e pessoas que dependem do turismo para tirar suas rendas. Estamos apavorados”, relata.


De acordo com o secretário de Turismo e Meio Ambiente de São Gonçalo do Abaeté, Ailton Joaquim de Oliveira, já existe uma demarcação em terras da região, feita pela empresa Quebec, responsável pelos estudos dos impactos da UHE Formoso. “Fora isso, temos um monte de interrogações, há muita especulação e nada de concreto ainda, mas o impacto ambiental será gigantesco. O rio Abaeté, por exemplo, é um dos principais berçários do São Francisco. Há diversos estudos comprovando a importância desse rio e isso poderá acabar”, explica. Segundo ele, não houve contato da empresa com nenhuma fonte oficial do município.

Outra preocupação do secretário é em relação aos moradores da localidade Pontal do Abaeté. As pessoas estão apreensivas, pois não sabem para onde serão removidas e como será a adaptação. “Estamos mobilizados, inclusive pedimos ao promotor de Justiça do Meio Ambiente de Três Marias para cobrar informações detalhadas sobre a construção desta usina, estamos atrás de uma resposta oficial para repassar às comunidades ribeirinhas”, informa o secretário, cujo posicionamento é contrário à implantação da UHE Formoso.

Em Três Marias, o secretário de Turismo, Cultura e Meio Ambiente, Roberto Carlos Rodrigues, também afirmou não ter acesso a nenhuma informação à UHE Formoso e ainda há muita especulação, mas já estão preparando uma audiência pública com participação de representantes da empresa. “Se isso acontecer, será uma perda cultural muito grande, mas o impacto ambiental é maior porque não tem como reconstituir aquilo que se perdeu, precisamos discutir esse projeto com a empresa para analisar as questões econômicas, ambientais e sociais”, avalia.

Roberto Carlos também questiona sobre a finalidade de construção de mais uma usina hidrelétrica na região. “Hoje com a tecnologia de ponta oferecida pelas empresas, acredito que a geração de energia dessa forma já está ultrapassada”, pondera o secretário.

No dia 30 de setembro (quarta-feira) foi realizado um seminário, em plataforma digital, sobre a UHE Formoso. O debate contou com a participação de especialistas sobre biodiversidade, lideranças comunitárias, representantes da empresa Quebec e do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo de Miranda Pinto.

No seminário, o gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia, Leôncio Vieira expôs algumas informações sobre a UHE Formoso. Entre os dados apresentados, a referida usina terá uma potência de 306 MW, queda de 28,9 metros e prazo de execução da obra em 36 meses, atingindo os municípios de Pirapora, Buritizeiro, Três Marias, São Gonçalo do Abaeté e Lassance.

Sobre as ações de mitigação, Leôncio Vieira explicou que os diagnósticos estão em fase embrionária de elaboração e serão propostas medidas para atenuar ou compensar os impactos após a finalização dos estudos e que a empresar irá realizar audiências públicas, momento destinado à manifestação da comunidade.

O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda ressaltou a falta de um debate prévio anterior ao Termo de Referência, antes da contratação desses diagnósticos. “Quando os estudos estão sendo encaminhados, os questionamentos perdem sustentabilidade, precisamos de um debate amplo sobre esse empreendimento”, afirmou.

CHBSF