A pandemia, a solidão do isolamento, a incerteza em relação ao futuro despertaram sentimentos difíceis de enfrentar. Meses de escolas fechadas e tanto para aprender. Lidar com uma espera que não acaba, com a sensação de que o tempo está correndo sem você, o dia que não passa, a viagem que não veio, os sonhos suspensos.
A falta da vida que a gente conhecia deixou um vazio e abriu espaço para uma série de emoções. Parece até que a Covid não é a única consequência do coronavírus. Médicos, psicanalistas e filósofos dizem que essa pandemia gera também sintomas emocionais.
“A gente tinha vários ambientes. O ambiente família, o ambiente social e o ambiente profissional. Em muito pouco tempo e completamente fora do nosso controle, a gente teve que encaixar todos esses ambientes dentro das quatro paredes da nossa casa”, destaca Rui Brandão, médico e diretor de plataforma de saúde mental.
“Uma pessoa que está perturbada com essa situação demonstra sanidade mental. Seria muito estranho que alguém não tivesse nesse momento a manifestação daquilo que a incomoda ou o incomoda. Daquilo que mexe com ela”, avalia o filósofo Mario Sergio Cortella.
Enquadrada desde março em um cronograma sem recreio, Helena da Silva Diaz, de nove anos, usou a lição de casa para explicar que está sofrendo. "Escolhi esta imagem porque eu estou nessa prisão, escola e quarentena. É como se eu tivesse que ficar aqui estudando, sendo obrigada a estudar aqui", conta.
A Helena está aprendendo mesmo o que é saudade. “Eu sinto bastante falta de ficar com meus amigos no recreio. Sinto bastante falta de perguntar para minha professora. No começo da quarentena, pensava que meu aniversário ia chegar depois que a quarentena acabasse. E é esse mês. Então, parece que não vai dar”, diz.
A psicanalista Maria Homem, com a agenda tomada de consultas virtuais, diz que é justamente desse ano sem festa que a gente não vai esquecer. “Você vai lembrar deste aniversário na sua vida inteira. Até morrer, esse aniversário é o único que você não vai esquecer, porque você vai falar: eu estive vivo no ano de 2020”, afirma.
O medo de ficar doente, de perder alguém querido, a incerteza sobre o futuro. Tudo isso é a vida, não o vírus, diz a psicanalista. “Essa pandemia também mostra para a gente a condição crua do humano. E da própria vida humana. Ela é insegura. Ela é desconhecida. Ela é sem data marcada para morrer, não é? Ela é: bobeou, tá aqui, o sopro de vida passou por você e te deixou. Então, a gente esquece isso para poder viver”, explica.
A Luíza é pequenininha demais para entender o que a vó está sentindo dentro da tela. A aposentada Vera Vidal, de 74 anos, está longe de tudo o que ama. Depois de mais de seis meses de isolamento, teve uma crise. “Solidão horrível. Saudade, solidão, vontade de encontrar as pessoas, de conversar, de voltar para o mundo”, conta.
Mas nem ela nem nós estamos sozinho. “Se você tiver coragem, você não vai sair o mesmo desse processo, porque ele é visceral. Ele é intenso, ele é inédito e ele é historicamente compartilhado. Ele é compartilhado com o outro. Então, está todo mundo no mesmo barco, sentindo junto”, ressalta a psicanalista Maria Homem.
E tem remédio. “É manter a esperança ativa. A esperança de quem vai buscar, vai atrás, não desiste, conta com quem está à volta e entende que sim, é difícil, mas pode e será superado”, destaca Cortella.
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