Com mais tempo para ler e refletir sobre o que leu, os leitores encarcerados dentro de suas casas, no home office, pela crise sanitária provocada pela Covid-19, estão se dando conta de que as nossas reportagens empobreceram em informações. Não podemos botar a culpa na conta do coronavírus. Seria como dar um tiro no mensageiro. O vírus só mostrou os problemas. E um deles é a carência de fontes de bastidor. Para quem não é do ramo. Bastidor é aquela conversa que o repórter tem ao pé do ouvido com uma fonte para saber porque as coisas aconteceram da maneira que aconteceram, e não de outra. É enorme a lista de motivos para o desaparecimento da fonte de bastidores. Vou citar o que considero o mais importante.
A demissão em massa de jornalistas das redações. Hoje os jornais operam com número reduzido de repórteres, que realizam uma enorme carga de tarefas, produzindo textos, fotos, vídeos e áudios. E recebendo um dos salários mais baixos da história da categoria. E por uma dessas ironias da vida, a crise sanitária ressuscitou a importância da imprensa profissional para os seus leitores. A imprensa está se saindo muito bem no hard news – notícia dura. Mas estamos deixando muito a desejar na análise dos conteúdos publicados devido à carência de informações de bastidor. Por quê? O Brasil se perfila entre um número muito pequeno de países onde o chefe do governo é negacionista em relação aos males da Covid-19. Ou seja: temos uma crise sanitária misturada com uma confusão política por conta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Explicar toda essa confusão para o leitor não é uma tarefa fácil.
Consolidar o prestígio que a imprensa profissional conseguiu com sua atuação na cobertura da crise sanitária vai depender de investir na formação de repórteres com cultivem fontes nos bastidores dos acontecimentos. Esse investimento tem que ser feito nos repórteres jovens. Os repórteres mais antigos e experientes têm as suas fontes. Mas muitas delas já não ocupam mais postos estratégicos, ou porque foram substituídas por novos profissionais ou simplesmente porque se aposentaram.
Conquistar esse tipo de fonte nunca foi fácil. Primeiro, o repórter precisa ter nome no mercado e trabalhar em um jornal respeitado pelo seu poder de fogo. Comecei a atuar em redação em 1979 e só fui fazer boas fontes de bastidores lá por 1985, depois que consolidei o foco da minha carreira em conflitos agrários, crime organizado nas fronteiras e migrações. E já tinha até livros publicados. Trabalhei em redação de 1979 a 2014 e aprendi que esse tipo de fonte não fala por telefone, muito menos por e-mail ou qualquer outro meio que possibilite rastreá-la. Não foram uma nem duas. Mas várias as vezes que precisei pegar um carro e viajar centenas de quilômetros apenas para conversar com uma fonte de bastidores.
Lembro que certa vez fiquei seis meses investigando grupos de radicais instalados nas fronteiras do Brasil. Precisei ir de carro até Foz do Iguaçu para conversar com uma fonte. Por quê? A resposta é simples. O repórter, usando técnicas de investigação jornalística, monta o quebra-cabeça cruzando informações de fontes e dados (processos, inquéritos policiais e outras coisas). Antes de brigar com o editor para convencê-lo a publicar a reportagem, ele precisa ter uma conversa com algum conhecedor profundo do assunto investigado para tirar as suas dúvidas.
Claro que se deve ter muita cautela, porque a fonte de bastidor também tem os seus interesses. Depois de tudo verificado, o repórter tem segurança para brigar com o editor e enfiar-lhe a matéria garganta abaixo. Mais ainda. Esse tipo de matéria, na maioria das vezes, acaba na Justiça. Na frente do juiz, que nas redações são chamados de “Capa Preta”, a confiança do repórter no que escreveu é fundamental para a sua defesa. Sei disso por já ter respondido mais de uma dezena de vezes pelo que escrevi.
Para os repórteres que estão começando na profissão há um livro interessante sobre esse tipo de fonte chamado O Homem Secreto. Conta a história do Garganta Profunda de Watergate. Assim foi chamada a fonte, que permaneceu anônima durante 33 anos, que ajudou os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do The Washington Post, a escrever as reportagens que em 1972 derrubaram o presidente dos Estados Unidos Richard Nixon. Há um filme que conta história de Watergate chamado Todos os Homens do Presidente. Para arrematar a nossa conversa.
Os nossos leitores precisam das informações que costuramos nas nossas reportagens para planejar o futuro de suas famílias. É uma responsabilidade muito grande nos ombros do repórter. E quanto mais sólida for a nossa formação, melhor é para todos. Sou um velho repórter que aprendeu que a velhice não traz sabedoria, ela é apenas uma amostra de que se tem saúde. A sabedoria vem da disciplina, dedicação e perseverança na busca pelo conhecimento exercitadas ao longo da vida. Como se diz nas mesas dos botecos de jornalista. O diabo não é sabido porque é diabo. Mas porque é velho. Acrescento: e trabalhador.
Carlos Wagner é jornalista.
Carlos Wagner é jornalista
1 comentário
30 de Aug / 2020 às 10h04
Resumindo: o empobrecimento das notícias é devido a notícias tendenciosas, buscando interesse s próprios da imprensa. Chora que dói menos