Rafael Filippin*
O crescimento vigoroso das energias renováveis não é mais uma novidade. Quem acompanha o tema tem visto notícias e documentos publicados por instituições financeiras e por agências internacionais mostrando dados que confirmam essa tendência.
A crise gerada pelos desentendimentos recentes entre os países da OPEP+, conjugada com os efeitos da pandemia da covid-19 parece ter dado um novo impulso à onda que já vinha se formando há alguns anos, muito influenciada pela queda do custo da tecnologia e pelos compromissos políticos internacionais assumidos no âmbito do combate às mudanças climáticas.
De fato, vários líderes mundiais reafirmaram a disposição de seus governos de cumprir metas de redução de emissões de gases do efeito estufa para 2030 e 2050, mesmo diante de todas as dificuldades geradas pelo coronavírus. Exemplo disso é o fim do uso do carvão mineral na Europa e na China como fonte de energia, o que parece ter finalmente chegado.
Por outro lado, o Fórum Econômico Mundial divulga insistentemente dados mostrando que é possível uma retomada mundial pós-pandemia baseada numa economia de baixo carbono, e a Agência Internacional de Energia aponta que a América Latina pode gerar mais de 3 milhões de empregos até 2050 ao adotar uma transição energética. Já a BloombergNEF noticiou que, durante o primeiro semestre de 2020, o investimento em energias renováveis cresceu 5%, e o Painel de Alto Nível para a Sustentabilidade Econômica dos Oceanos sinaliza que os empreendimentos eólicos marítimos são os projetos mais atraentes atualmente.
Mas o ano de 2020 ainda promete muito mais, pois a sucessão presidencial norte-americana será decisiva para o futuro das mudanças climáticas, uma vez que o candidato democrata, o ex-vice presidente Joe Biden, anunciou que adotará um pacote de recursos gigantescos para financiar uma retomada econômica baseada na transição energética de baixo carbono.
Por sua vez, várias empresas tradicionais do ramo de petróleo e gás, como a holandesa Shell e a norueguesa Aker Solutions, estão se reposicionando rapidamente agora como empresas de energia, diversificando seus portfólios de investimentos e de tecnologias, sinalizando que estão dispostas a neutralizar suas emissões desde logo, mas deixando bem claro que estão prontas para o mundo pós-petróleo. É que a expertise adquirida na exploração do petróleo offshore capacitou essas empresas do setor para se lançar agora no aproveitamento da energia eólica e solar disponível no ambiente marítimo, cuja tecnologia já está madura e encontra ambientes regulatórios amigáveis em alguns países.
E no Brasil? A verdade é que o setor privado já está em movimento no país desde 2016, com a iniciativa de alguns empreendedores de elaborar projetos e realizar estudos ambientais e, por sua vez, algumas instituições, como a FGV Energia e a UFRN, têm publicado o resultado de pesquisas e seminários em que o tema do potencial da eólica offshore e seu licenciamento ambiental foi discutido. Entretanto, o ambiente normativo e institucional brasileiro parece ainda não estar totalmente pronto para desenvolver essa nova fonte de geração.
Todavia, é certo que já há avanços muito significativos. A Marinha do Brasil, que é competente para normatizar as atividades realizadas nas águas jurisdicionais brasileiras, editou a NORMAM-11 (com redação dada pela Portaria nº 50/2020 da Diretoria de Portos e Costas de fevereiro de 2020) na qual estabeleceu os procedimentos para a obtenção de parecer favorável aos empreendimentos eólicos offshore no que concerne à segurança da navegação.
Por sua vez, o IBAMA, órgão federal competente para a fiscalização ambiental no ambiente marítimo, publicou um documento técnico (Mapeamento de modelos decisórios ambientais) e editou em dezembro de 2019, no contexto do Processo nº 02007.003499/2019-91, uma proposta de termo de referência para o estudo prévio de impacto ambiental (e respectivo relatório) para o licenciamento ambiental de complexos eólicos offshore e o colocou em consulta pública. Entretanto, ainda não há nenhum regulamento ambiental específico sobre o tema, o que pode ser oportuno para conferir segurança jurídica para esses procedimentos.
Por outro lado, a ANEEL, a agência reguladora federal do setor elétrico, tampouco estabeleceu uma liturgia específica para a outorga do direito de gerar energia eólica a partir de empreendimentos offshore. Mas é certo que também já avançou, pois, com a recente edição da Resolução Normativa nº 826 em março de 2020, foi revogada a norma anterior de 2009, que era nitidamente direcionada somente para empreendimentos eólicos terrestres (onshore).
A EPE, empresa estatal dedicada ao planejamento do setor elétrico, também contribuiu significativamente para esse movimento, pois estimou e mapeou o gigantesco potencial eólico brasileiro disponível no ambiente marítimo, assim como avaliou o ambiente institucional, em seu Roadmap divulgado em fevereiro de 2020.
Além de todas essas iniciativas no âmbito do Executivo, o Poder Legislativo também entrou no debate e vem discutindo o Projeto de Lei nº 11247/2018, que propõe, em linhas gerais, um modificação na estrutura jurídica atual, criando a atribuição ao Conselho Nacional de Política Energética de definir "primas eólicos", isto é, áreas geográficas delimitadas que poderão ser exploradas pelo concessionário (semelhantes à ideia dos blocos de exploração de petróleo), bem como a obrigação para os empreendedores de pagar pelo uso do bem público, a ser partilhado entre os entes federativos – proposta que, de fato, não foi muito bem recebida pelo setor privado.
De todo modo, essas iniciativas vêm ocorrendo em simultâneo e sinalizam o esforço institucional brasileiro de promover um ambiente mais apropriado para o desenvolvimento dessa nova modalidade de geração de eletricidade. Com efeito, por mais que não tenham ainda uma conformação definitiva, os regulamentos já em vigor e os documentos técnicos em consulta pública são uma resposta razoavelmente consistente para o setor privado, no sentido de proporcionar segurança jurídica para os investidores, a fim de que a energia eólica offshore se torne enfim uma realidade no Brasil.
*Rafael Ferreira Filippin é doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR e advogado das áreas regulatória e ambiental da Andersen Ballão Advocacia.
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