"O homem chega, já desfaz a natureza tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar/ O sertão vai virar mar dá no coração o medo que algum dia o mar também vire sertão/ O Rio São Francisco, lá pra cima da Bahia diz que dia menos dia vai subir bem devagar e passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o sertão ia alagar/ Vai ter barragem no salto do Sobradinho e o povo vai-se embora como medo de se afogar...Adeus Remanso, Sento Sé, Casa Nova, Sobradinho, Pilão Arcado"...
Além de trabalhar no Sistema de Comunicação na redeGn, jornalista, atualmente sou aluno do Curso em Agroecologia, apresentador e produtor do Programa Nas Asas da Asa Branca-Viva Luiz Gonzaga e seus Amigos, todos os domingos, na Rádio Cidade. Sou especialista em Ensino de Comunicação Social e História da Cultura. Caso a crise do coronavírus passe estarei em novembro apresentando uma palestra no Centro Cultural Mário de Andrade, em São Paulo.
Histórias. Sentimentos mais humanos. Sem elas, não há uma boa canção. Todos os bons cantores e compositores deveriam contar os bastidores de suas canções. Estive em Sobradinho, Bahia. Jornalista que sou, ouvi muito mais que o lado físico sobre o uso das águas do Rio São Francisco, das pedras e ferros que construíram a Barragem da Hidroelétrica, Chesf. Lembrei das famílias afetadas e obrigadas, forçadas a deixar o seu pedaço de terra.
Neste turbilhão aprendi que sou um eterno aprendiz. E eu juro que vi, a natureza, sem mágoas ou rancor, revelando o impacto sobre o meio ambiente. Ouvi através das nuvens e das águas evaporando o som das sanfonas, pífanos e violões, o lamento, quase choro, sobre a perda da identidade, referência cultural e histórica.
Olhando o maior lago artificial da América Latina, gritei a gratidão a Sá e Guarabyra e não sabia o que falar para as árvores e o vento que soprava, aos pássaros e cardumes de peixes.
Devo dizer que Sá e Guarabyra, são talentosos e justos, partindo do sertão de sãofranciscano de Cinamomo e Tabuleiro às peripécias nova-iorquinas de Ziriguidum Tchan; seguindo por aventuras de estrada, como em Meu Lar É Onde Estão Meus Sapatos, aos casos de amor vividos em Nuvens D Água, Dona, Espanhola e hinos ecológicos como Paraíso Agora.
A música “Sobradinho” provocou a questão ecológica na música brasileira. Na época eles ergueram a voz contra a injustiça e olhos viram o que poucos enxergavam. São dezenas de trilhas de novelas, teses de mestrado, monografias e documentários nas redes sociais, mais de quatrocentas músicas, gravadas por eles e por cantores de três gerações da música brasileira.
Conta-se que no ano de 1977, quando Sá e Guarabyra faziam um percurso de carro pelo sertão do Vale do São Francisco, nas margens do Rio São Francisco em direção à cidade de Bom Jesus da Lapa, onde o pai, de Guarabyra vivia, caminhavam pelas ruas quando ouviram uma prosa estranha dita por mais de duas pessoas. Caminhões gigantes, como nunca vistos por ali, andavam levantando as terras de uma região vizinha.
Então seguiram para lá e viram o que jamais imaginavam. Não só os caminhões, mas também muitos homens trabalhavam para construir a represa gigante de Sobradinho, um lago 600 vezes maior do que a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, construído com águas represadas do Rio São Francisco para fazer funcionar a usina hidrelétrica de Sobradinho. Ninguém sabia disso naquela tarde em que Sá e Guarabyra tiveram a visão do sertão virando mar. Sob regime ditatorial, os jornais nada noticiavam e o projeto era tocado às escuras.
Seis cidades seriam inundadas, centenas de famílias seriam removidas e o impacto ambiental se anunciava.
As cobranças previstas e as inimagináveis logo chegariam, como o aumento nos índices de degradação ambiental, e destruição, além do impacto na mente humana. Quantos amores deixaram de existir?
Sá & Guarabyra fizeram a primeira reportagem, poesia denunciando em música o que o mundo saberia em breve. “Adeus, Remanso, Casa Nova, Sento-Sé / Adeus, Pilão Arcado, vem o rio te engolir / Debaixo de água lá se vai a vida inteira / Por cima da cachoeira o gaiola vai, vai subir / Vai ter barragem no salto do Sobradinho / e o povo vai-se embora com medo de se afogar / O sertão vai virar mar / dá no coração / o medo que algum dia o mar também vire sertão…”
Foi a partir do sucesso da música que o Governo Militar então começou a fazer propagandas para reverter a imagem e dizer que a iniciativa faria bem ao País.
Sá e Guarabyra. No batismo Luiz Carlos Pereira de Sá é carioca. O baiano da dupla é Guttemberg Nery Guarabyra. Os dois tiveram suas músicas gravadas na voz de Biquini Cavadão, Elis Regina, Roupa Nova, Trio Nordestino, Gal Costa entre outros grandes artístas.
Assim ouvi e aqui reproduzo. Ney Vital - Jornalista)
Ney Vital - Jornalista
1 comentário
12 de Apr / 2020 às 13h48
Perfeito o seu texto... quantas vidas, histórias, sentimentos, amores, paixões....fora as coisas materiais que não se deu tempo de pegar. Não vivi esse tempo mais ouvi e ouço muitas histórias de vida de meus avôs, pais que lembram com saudade e tristeza das lembranças boas que ficou pra trás. tem um filme que retrata uma estória parecida com com que as família da época viveram "Narradores de Javé", lembro que quando assistir com meus pais, tios...muitas risadas, histórias e aquilo que se parece fictício foi a mais pura verdade.