As políticas públicas de saneamento básico, principalmente a implantação de redes coletoras de esgotos residenciais, ainda é um serviço que, infelizmente, chega a apenas uma parcela das moradias brasileiras.
Mais de 10 anos após a Lei do Saneamento Básico entrar em vigor no Brasil, o país ainda tem mais de 35 milhões de brasileiros/as sem acesso aos serviços de água potável, 46,85% não dispõem de coleta de esgoto e somente 46% do volume gerado de esgoto no país é tratado.
Esse cenário é mais grave na região Nordeste, que trata apenas 34,73 % dos 26,27% de esgoto coletado, segundo estudo publicado pelo Instituto Trata Brasil.
O estudo ainda mostra que somente 32,8% dos domicílios rurais possuem distribuição de água e 26,3% dos domicílios rurais têm acesso à coleta dos resíduos sólidos. Em áreas rurais, na maioria das vezes, as casas ficam muito distantes uma das outras, o que exige do poder público a implementação de saneamento básico rural apropriada a realidade das famílias do campo. Esse quadro deficiente do saneamento precisa ser revertido até 2033, ano em que o Brasil tem o compromisso de universalizar o saneamento básico proposto pelo Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab. Essa estimativa, porém, diminui para 70% para a população rural.
No tocante ao debate do Saneamento Básico Rural apropriado ao Semiárido e a implementação de tecnologias sociais apropriadas à coleta e tratamento do esgoto doméstico, o Irpaa vem executando desde 2019 um Projeto que tem por objetivo trabalhar a proposta de Convivência com o Semiárido e Adaptação às Mudanças Climáticas, com investimento do Governo alemão, intermediado pela Cáritas da Alemanha.
As ações do projeto acontecem em três níveis: Nível local - Território Sertão São Francisco, com ação de formação e implementação de estrutura de uso didático e pedagógico-experimental de reuso de água, captação e manejo de água de chuva; Nível Estadual - trabalhando processo de formação modular, com turma de multiplicadores/as, agentes que realizam assessoria na linha da Convivência com o Semiárido nos estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Piauí; Nível de Semiárido – desenvolvendo ações de formações e mobilizações juntos a entidades e movimentos sociais parceiros.
Ações do Projeto
No Território Sertão São Francisco, o projeto está assessorando 57 famílias na comunidade de Santana e Frade, interior do município de Curaçá, e 50 famílias na comunidade de Cipó e Caiçara, em Juazeiro. A aposta é na formação a partir da “discussão coletiva dos problemas (das comunidades), sobre as questões das mudanças climáticas, o saneamento básico como direito, a Convivência com o Semiárido […] além da discussão teórica, política a gente tem apostado na intervenção prática com as tecnologias de reúso”, pontua o agrônomo Luís Almeida, colaborador do Irpaa que acompanha o projeto.
Em parceria com as famílias, o Irpaa têm trabalhado com o debate e implementação de tecnologias de tratamento de esgoto residencial, a partir do sistema de tratamento das águas cinzas através Bioágua, a Bacia de Evapotranspiração – Bet destinada para o tratamento da água usada na descarga de sanitários e o reator UASB para o tratamento total do esgoto. “Todas essas tecnologias vem pra apontar que é possível deixar de poluir, deixar de despejar resíduo de forma bruta (no solo), que é possível dar o tratamento correto e a destinação pra produção forrageira, frutífera, que venha tanto fortalecer o rebanho e também fortalecer a alimentação da família sem poluir o meio ambiente”, explica Almeida.
Nas comunidades de Santana e Frade já foram construídas 19 sistemas de tratamento de esgoto e reúso agrícola familiar, 10 cisternas de produção, três barreiros trincheira e seis quintais produtivos beneficiando 25 famílias diretamente. Em Caiçara e Cipó foram implementadas 16 tecnologias de reutilização de águas residuais, acompanhadas de quintais produtivos, oito cisternas de produção, cinco barreiros trincheira e a limpeza e ampliação de tanque comunitário.
Uma dessas famílias é da Dona Filomena Donato, moradora da comunidade Santana. A agricultora foi beneficiada com implementação da Bet e Bioágua, “antes tinha uma encanação e água caía aí fora, na terra (…), agora usamos essa água pra molhar as frutas, é um projeto muito bom”, explica Filomena, que planeja plantar consorciado com frutas as plantas forrageiras para garantir alimentos para sua criação. A agricultora destaca também a ação de recuperação da Caatinga como algo positivo no projeto e que contribui para a organização da comunidade: “teve os mutirões e as reuniões para discutir a área do recaatingamento”, enfatiza Filomena.
Além das tecnologias sociais, as três comunidades estão trabalhando com a proposta do Recaatingamento. Já foram cercadas 20 hectares de área coletiva em cada comunidade, destinada para implementação das Unidades de Recuperação de Áreas Degradadas, Urad’s. Essas áreas foram isoladas no intuito de conservar e recuperar o Bioma Caatinga, utilizando os métodos de intervenção hidroambientais com curva de nível, cordão de pedra, barragens base zero, além do enriquecimento com matéria orgânica, cultivo de espécies frutíferas, nativas e forrageiras em Sistema Agroflorestal – SAF. Cada SAF coletivo receberá 100 mudas de frutíferas, também será instalado meliponários dentro da área isolada, com o intuito de contribuir na polinização das plantas e geração de renda para as famílias.
O Recaatingamento é uma ação de mitigação dos efeitos da desertificação do solo e pode contribuir para minimizar os impactos das mudanças climáticas. “Os estudos já vêm apontando que os efeitos climáticos agora tendem a ficar mais intensos, ou seja, as chuvas ficarem num período menor e mais intensas, chuvas mais concentradas, secas mais prolongadas, dificuldades em relação a agricultura, aumento da temperatura”, exemplifica Almeida, que defende que a captação da água de chuva, implementação de novos sistemas produtivos, aproveitamento do potencial produtivo das plantas da Caatinga, entre outras ações de Convivência com o Semiárido, poderão contribuir para minimizar os efeitos das mudanças climáticas.
“Essas discussões da preservação ambiental, do cuidar da Caatinga em Pé, tudo isso vai garantir que a gente tenha uma maior resiliência, ou seja, que a gente consiga viver bem na região semiárida, daí a importância do Recaatingamento, da agroecologia, do saneamento básico, visto que o saneamento é uma questão de saúde e também é uma questão que dialoga diretamente com a questão ambiental”, ressalta Almeida. As ações do Projeto financiado pela Cáritas estão previstas para serem executadas nos três níveis até 2020.
Comunicação Irpaa
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