Eu era um meninote ainda e quase nem saía de casa. Nem precisava porque, para minha sorte, a residência de meu pai era próxima a casa de seu Tico Leandro e, da rede mesmo, eu escutava os cantadores em seus desafios, suas canções, executando os motes, atendendo aos pedidos do público, dedilhando aquelas violas afinadas.
Ali, eles varavam a noite debulhando versos. Cantoria de pé de parede realizada no sítio Queixada. Poesia improvisada seguida de aplausos entusiasmados. Foi dessa forma que conheci a arte poética de Valdir Teles, porque, por ali, ele esteve algumas vezes.
Foi lá que ouvi, pela primeira vez, o vozeirão daquele repentista paraibano. Era uma voz bonita, marcante, diferenciada, que oscilava entre um grave destoante e um agudo suave. Uma espécie de canto de passarinho que se espalhava levemente, ou com toda a força da natureza, pelas quebradas de um sertão sonoro e absolutamente poético.
Valdir Teles dedilhava as cordas da viola, presa ao corpo, no estilo violonista clássico, com a mesma facilidade com que juntava as palavras e compunha seus versos. Sem erros, sem falsas rimas. Tudo era de uma perfeição religiosa. Métrica incorrigível. Poeta repentista de uma criatividade original. Como fazia aquilo!? Jamais saberemos responder. Foi-se com ele. Era, talvez, um dom particular aprimorado repetidamente nos festivais de viola, nas cantorias realizadas nos espaços urbanos e/ou rurais.
Bastante requisitado para as festas de repetente, Valdir Teles era paraibano da cidade de Livramento. Durante muitos anos comandou um programa radiofônico de violeiros numa emissora situada na cidade de Patos. Foram mais de 40 anos tocando viola pelo Brasil. Deixou gravados vários CD’s e DVD’s. Estava com 64 anos de idade e faleceu, vítima de infarto, na tarde do último domingo, na zona rural do município de São José do Egito, sertão de Pernambuco.
Nos últimos dias Valdir Teles gravou um vídeo improvisando os seguintes versos e chamando a atenção para este momento que estamos vivendo:
Se não temos remédio nem vacina
Higiene é a nossa prevenção
Se faltar álcool gel use o sabão
Lave a boca, as mãos e a narina
Siga todas lições que o médico ensina
Pra você ficar livre desse mal
Este vírus pra muito é fatal
Mas quem tem consciência não se ilude
O maior inimigo da saúde
Já virou um problema mundial.
Ontem, o musico e compositor, Jorge de Altinho postou um mote em suas redes sociais e eu achei que deveria retribuir aquele meu espanto inicial diante da arte de Valdir Teles, improvisando uns versos mal feitos em sua homenagem.
Um gigante, um monstro do repente
Foi embora, partiu, emudeceu
Mas ficaram aqui os versos seus
Todos eles nos dados de presente
Emoção é isto que a gente sente
Quando escuta a sua melodia
Repentista maior não existia
Todos eles sabiam seu valor
A viola perdeu seu cantador
E, no sertão, ficou triste a cantoria
Para se despedir do amigo e companheiro de cantorias, o poeta Geraldo Amancio Pereiraio escreveu a seguinte estrofe em sua página no Facebook:
De Valdir sobe a alma, o corpo jaz
Toca o pinho os acordes derradeiros,
Perco eu o melhor dos meus parceiros,
Perde a arte o melhor dos sabiais,
A estrela dos palcos terreais
Encantava milhões de criaturas,
Mas faltava no palco das alturas
Cantador que tivesse o seu estilo,
Deus mandou convidá-lo para ouví-lo
Lá no céu onde estão as almas puras.
Obrigado, poeta!
Jurani Clementino – Campina Grande – PB – 24 de março de 2020
Jurani Clementino
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