A construção de uma barragem de rejeitos entre os municípios de Pindaí e Caetité, no sudoeste da Bahia, tem preocupado moradores da região que se sentem ameaçados e questionam sobre o local e o método escolhidos, e o Ministério Público, que já vem atuando para mudar a localização do empreendimento.
Com previsão para ser construída em 2020 e entrar em operação em 2023, a barragem tem capacidade total de 180 milhões de metros cúbicos e funcionará, tal como proposta, a cerca de 12 km da barragem de Ceraíma, fonte de água potável que abastece a região, e a 150 km do São Francisco.
O projeto denominado Pedra de Ferro custará à Bahia Mineração (Bamin) R$10 bilhões e terá capacidade de produção de até 20 milhões de toneladas de ferro ao ano, em 30 anos de operação, o que “transformaria a Bahia no terceiro maior produtor de minério de ferro do país”. Mas, afinal, qual o preço dessa barragem para sociedade e o meio ambiente?
O fato é que as licenças ambientais concedidas pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) à Bamin foram renovadas. A portaria 17.973 foi publicada no dia 21 de março deste ano no Diário Oficial do Estado, após a empresa mudar o projeto da barragem de alteamento a montante para a jusante, método considerado mais seguro se comparado ao primeiro, que deve ser eliminado no Brasil por determinação da Agência Nacional de Mineração. As barragens de Mariana e Brumadinho, por exemplo, foram construídas a montante, que é quando a barragem cresce sobre o próprio rejeito.
A Promotora de Justiça do Ministério Público Estadual da Bahia, Luciana Khoury, acredita que isso não é suficiente e explica que “o Ministério Público fez uma recomendação para que não houvesse a implantação da barragem naquela localidade, por, entre outros motivos, ser uma área de produção de agricultura familiar, com comunidades tradicionais e de fechos de pasto, que já sofrem com a pouca quantidade de água disponível.”
Ela explica que a intervenção do MP foi originada pela reivindicação de comunidades da região, entidades não governamentais e da sociedade civil. “O Termo de Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público Federal e Estadual foi encaminhado para a empresa e nós teremos no final de junho uma audiência para buscar firmar esse TAC, que pede que seja escolhido outro lugar para implantação da barragem de rejeitos. Da forma que está, entendemos que os impactos socioambientais não foram levados em consideração e são muitas as comunidades possivelmente impactadas.”
Sobre a possibilidade de adotar alternativas mais seguras e sustentáveis, como é o caso do processamento do minério a seco com reaproveitamento de rejeito, a Bamin diz que “atualmente não existe tecnologia a seco testada para o volume de produção previsto e que a barragem terá um rigoroso controle operacional”.
Questionados sobre os impactos ambientais, afirmam que “o projeto Pedra de Ferro utilizará água conforme outorga concedida pelos órgãos ambientais. A maior parte da água utilizada será recuperada, voltando para o processo de beneficiamento e, limpa, a outra parte seguirá para o meio ambiente, podendo ser utilizada pelas comunidades da região, contribuindo para manter a disponibilidade de água ao longo de todo trecho do Córrego da Cachoeira e parte do Rio Grande, que fazem parte da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”.
É bom destacar que na Resolução 469 de setembro de 2010, a Agência Nacional de Águas (ANA) concedeu à Bahia Mineração outorga para o direito de uso de recursos hídricos para captação de água no rio São Francisco, com a finalidade de mineração (beneficiamento de minério de ferro), na divisa dos Municípios de Malhada e Carinhanha, próximo à Caetité e região. Na resolução, a vazão máxima de captação é de 1.620,0 m³/h (450 L/s), operando 24 h/dia, durante todos os dias do ano, perfazendo um volume anual de 14.230.080,0 m³.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, enxerga com preocupação o empreendimento: “nós precisamos desativar todas as bombas relógio que ameaçam o Rio São Francisco, porque ele não tem plano B. Se em algum momento, por mais remoto que seja, uma massa de rejeitos de minérios tipo aquela que atingiu o Rio Doce atingir o Velho Chico, o dano é catastrófico, quebra o Brasil ao meio. O São Francisco representa, por exemplo, 70% da disponibilidade hídrica do Nordeste e é o único manancial que atende o Semiárido brasileiro em grande escala. Isso sem dizer de toda relevância ambiental e socioeconômica do São Francisco e da ameaça ao próprio Rio”.
Segundo ele, o Comitê continuará apurando essa situação, mas desde já a posição é claramente a favor da população que pede por mudanças no projeto, com foco em segurança e conservação ambiental da região onde vivem. “É melhor agir preventivamente do que chorar pela lama derramada”, conclui.
Evilásio Bomfim, morador de Guanambi, município a cerca de 40 km de Caetité, e membro do Movimento Vida sim, Barragem não, concorda. “A barragem, como foi autorizada, é completamente inaceitável, porque está exatamente 12 km acima da maior barragem de água que nós temos aqui, que é Ceraíma”. Ele destaca, também, o risco que Guanambi (com cerca de 85 mil habitantes e a 25 km do local da construção da barragem) sofre por estar na rota dos rejeitos: “ao fazer isso, na divisa entre Caetité e Pindaí, se tiver algum problema, no caso de vazamento, ruptura ou qualquer outro dano, o ônus direto seria de Guanambi e arredores. Os outros municípios vão receber royalties enquanto o rejeito está virado para Guanambi e comunidades menores, ameaçando vidas e o meio ambiente”, destaca.
Quando o assunto é a importância do Rio São Francisco para a região, é enfático ao dizer que a localidade e comunidades próximas sofrem com a escassez hídrica e que o Velho Chico, junto com Ceraíma, são as principais fontes de água. Beniezio Eduardo de Carvalho, membro do Movimento pela Soberania Popular na Mineração e da Comissão Pastoral da Terra vai além e diz que o prejuízo hídrico seria ainda maior, “pois haverá a supressão de vegetação e destruição de 26 nascentes, impactando famílias que usam água para produção e consumo.”
Apesar de afirmar que não há barragem 100% segura, o Presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA – BA), Luís Edmundo Campos, entende que a mudança de alteamento de montante para a jusante é um grande avanço para a segurança da barragem. “Se a gente partir do pressuposto que a barragem está segura, e que a probabilidade de uma ruptura é muito pequena, não tem problema ela ter essa proximidade do Rio São Francisco, desde que feita dentro das boas técnicas disponíveis da engenharia”, afirma.
Ele destaca que a segurança da população deve estar em primeiro plano e chama atenção para a questão dos royalties: “a legislação deve ser modificada para que municípios que possam ser atingidos tenham, também, benefícios da exploração”.
O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) também foi procurado pela reportagem, mas, até a publicação, não obtivemos retorno.
Ascom CHBSF
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