Na madrugada fria de Paris, França, o telefone toca. Do outro lado a reclamação: Ninguém lembra do fuso horário, só pode ser do Brasil. A ligação era do músico João Gilberto cuja voz sussurrou triste e informa: Luiz Gonzaga morreu!!. Foi neste tom que a pesquisadora, jornalista e cineasta Dominique Dreyfus, soube do falecimento de Luiz Gonzaga, numa quarta-feira 02 de agosto de 1989. Francesa, Dominique é autora do livro “A Vida do Viajante: A saga de Luiz Gonzaga”, livro que considero a mais completa biografia do sanfoneiro Luiz Gonzaga.
Dominique foi professora em Letras e Literatura pela Universidade Paris I (Sorbonne), trabalhou como repórter, editora e diretora de revistas e programas especializados em música, colabora para conceituadas publicações de arte sul-americanas e é doutora em música popular brasileira. Além desse gabarito acadêmico e profissional, ela passou a infância e parte da adolescência entre Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, Olinda e Recife. Mudou-se com a família da França para o Brasil para ficar longe da 2° Guerra que assolava a Europa.
Poucos sabem, mas, João Gilberto homenageou Luiz Gonzaga e a voz do Rei do Baião gravou um LP O Canto Jovem, repleto de modernidade, incluindo composições de Edu Lobo, Jocafi, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, entre outros que transitaram entre a Bossa Nova e o Tropicalismo. Os dois, João e Luiz, considerados gênios e citados pelos mais talentosos músicos da música brasileira e internacional sempre mantiveram a distância física, mas o respeito de almas revolucionárias.
Mostro aqui a homenagem que João Gilberto fez acontecer durante o Festival de Rock de Águas Claras, interior de São Paulo. Este festival tinha como objetivo promover a paz, a união, a liberdade. Na oportunidade João Gilberto cantou a música Baião de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, acompanhado apenas pelo ritmo sincopado do seu violão.
Tom Jobim sobre esta homenagem declarou: "É algo que jamais ouvi igual e acho que não ouvirei...e João Gilberto como nordestino nascido às margens do Rio São Francisco, não fugiu à regra: era fã de Luiz Gonzaga. A prova disso é o telefonema entristecido que deu para Dominique Dreyfus, biógrafa de Luiz Gonzaga, residente em Paris, a 02/08/1989, comunicando-lhe o falecimento do criador do baião".
Com a chegada da Bossa Nova, Luiz Gonzaga e os sanfoneiros tiveram um período difícil. As rádios, publicidade e produtores de shows e TV da época "esqueceram", o reinado do baião. A Bossa Nova "fez Luiz Gonzaga tombar" e momentaneamente o Rei do Baião chegou até a ensaiar a sua retirada do campo da nossa música. "Ninguém me quer mais", ele resmungou aos ouvidos de Dominguinhos, seu mais autêntico sucessor. Mas recompôs-se ao surgir o boato de que os beatles iam gravar Asa Branca.
Dominique Dreyfus garante que o sanfoneiro Luiz Gonzaga, de certo modo, sabia da sua importância no cenário musical brasileiro, mesmo quando ele foi “atropelado” pela bossa nova. “Ele encarava com tranquilidade e até certo humor. Dizia que 'aquela' bossa nova acabou com todo mundo, que ninguém mais queria saber dele, mas que continuaria a fazer música para o povo dele.”
Outro detalhe: A importância do gênero musical inventado por Luiz Gonzaga foi reverenciado também por João Gilberto no baião Bim, Bom, no qual ele diz: “É só isso o meu baião/ E nao tem mais nada não"...
Mas isto é assunto para outra prosa" Além de Luiz Gonzaga, Dominique Dreyfus também escreveu sobre a vida de um dos maiores violonistas brasileiros em “Violão Vadio de Baden Powell”, de 1999.
Confira Video João Gilberto canta Baião:
Ney Vital Redação Blog Foto: Ivan Cruz Jacaré
3 comentários
17 de Jul / 2019 às 13h36
Belo texto, sem comentários!
18 de Jul / 2019 às 02h02
Realmente é um belo texto.. muito bem colocado... Só que ver o nome dele já me alegra o coração.. cresci vendo meu pai sempre com proza e como diz até hoje que foi o melhor amigo dele.. cresci vendo eles tocarem juntos... Pra quem não sabe Chiquinho zabumbeiro (meu pai) fez parte da história desse gênio e teve o prazer de iniciar ele no forró em SP.. longa história.. talvez alguém algum dia se interesse de saber essa história de amizade enquanto ainda vive meu pai..com os detalhes que só ele sabe contar sempre em lágrimas... Obrigado a todos por não deixar essa história morrer...
18 de Jul / 2019 às 19h18
Luiz Gonzaga é o rei dos reis!