Considerado o Rei do Rádio, Nelson Gonçalves recebe hoje 21 homenagens na data de seu centenário. Entre elas, o lançamento, pelos Correios, de um selo oficial dedicado a ele em cidades que fizeram parte de sua trajetória: em São Paulo, para onde ele se mudou ainda criança; no Rio de Janeiro, onde o cantor consolidou sua carreira, e em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, onde Nelson nasceu, no dia 21 de junho de 1919.
Nelson Gonçalves é celebrado o centenário de nascimento de Nelson Gonçalves, um dos maiores cantores da história da música brasileira. Sua voz poderosa chegou a ditar padrões do que seria um verdadeiro intérprete, assim como os de Orlando Silva, Ângela Maria, entre outros. Nelson Gonçalves (21 de junho de 1919 – 18 de abril de 1998) permanece eternizado como o símbolo de um Brasil antigo.
Celebrado nesta sexta (21), o centenário de nascimento deste cantor gaúcho criado no bairro paulistano do Brás – voz viril projetada nacionalmente nos anos 1940, era do rádio, do bolero e do samba-canção – reforça a sensação de que Nelson é um cantor das antigas. Um cantor sem maquiagem na potente voz de barítono.
Cantor de multidões, Metralha – como Antônio Gonçalves Sobral foi apelidado por conta da gagueira antes mesmo de se firmar com o nome artístico de Nelson Gonçalves – disparou torpedos em repertório despudoradamente folhetinesco que priorizou criações de Adelino Moreira e Herivelto Martins (1912 – 1992), compositores que carregavam nas tintas do melodrama.
Com afinação e emissão exemplares, a voz viril de Nelson Gonçalves cantou o amor sob prisma masculino. O prisma do machista macho latino. Normalista (1949) – sucesso do cancioneiro de David Nasser (1917 – 1980), no caso em parceria com Benedito Lacerda (1903 – 1958) – expõe a mulher como objeto de desejo do homem.
E o homem, por vezes, era retratado no repertório de Nelson Gonçalves como o "dono" desse objeto de desejo, como exemplificam versos de A camisola do dia (1953), um dos muitos clássicos da parceria de Herivelto Martins com David Nasser lançados na voz referencial de Nelson Gonçalves.
De 1941 a 1998, período em que gravou discos com regularidade rara para cantores egressos de geração tachada da cafona após o surgimento da Bossa Nova e da MPB, Nelson Gonçalves foi um rei vadio, boêmio, que proclamava o orgulho de macho em casa, nas roletas dos cassinos e nos bares, cenário do despejo das mágoas de amores.
"Hoje quem paga sou seu", sentenciou no título do samba-canção de 1955 que teve a primazia de lançar em disco, assim como fez com Pensando em ti (1957) e Atiraste uma pedra (1958), outros capítulos do interminável folhetim contado por Herivelto Martins e David Nasser nos versos de boleros, tangos e sambas-canção, gêneros passionais pela própria natureza.
Nelson Gonçalves cantou com paixão sem desprezar os rigores da técnica, notada inclusive na respiração precisa e na divisão perfeita. Foi popular, às vezes popularesco, mas soube cantar o melodrama com categoria que, por exemplo, inexiste no canto também potente do discípulo Agnaldo Timóteo.
Nelson Gonçalves se formou na escola de antecessores como Francisco Alves (1898 – 1952), mas soube ser único. Soube se transformar em um dos maiores cantores do Brasil em todos os tempos.
Na música e na vida, esse grande cantor encarnou o arquétipo do macho brasileiro, com todos os conceitos previamente adquiridos na sociedade patriarcal em que Nelson Gonçalves nasceu, viveu e morreu, após atravessar períodos difíceis nos anos 1960 – por conta do assumido e vencido vício em drogas – e após ser reverenciado pela geração da MPB a partir da década de 1980.
Por isso mesmo, o centenário cantor representa cada vez mais a voz de um Brasil antigo.
G1 Mauro Ferreira
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