Desde a publicação da Súmula nº 130, em 1995, o STJ tem mantido o entendimento de que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. Mencionada Súmula foi editada com base nas relações consumeristas estabelecidas entre shoppings centers, supermercados e bancos (por exemplo), pois entendeu que o espaço ofertado para os clientes estacionarem seus veículos corresponderia a um instrumento para a captação de clientela, por criar uma expectativa de ambiente seguro.
Contudo, embora sumulado, o entendimento sobre o assunto não é pacífico - REsp 1.606.360/SC, julgado em 19/10/17.
Na década de 90, as decisões do STJ que reconheciam a existência de responsabilidade da empresa se baseavam na existência de um contrato de depósito voluntário tácito entre as partes., aplicando-se os artigos 627 e seguintes do Código Civil que regem tal espécie de contratação - passando a existir o dever de guarda e vigilância da empresa, previsto no art. 629.
A controvérsia começou a surgir com a seguinte questão: quando o contrato de depósito se aperfeiçoaria nesse caso? Isso porque, muito embora a legislação exija que esta modalidade de contrato seja realizada na forma escrita para fins de prova, vide o art. 646 do Código Civil, o STJ dispensou tal exigência em casos de estacionamento disponibilizado por empresas, conforme acordão proferido no REsp 4.582/SP, julgado em 16/10/1990.
Na tentativa de contornar a questão, a jurisprudência passou a fundamentar a teoria do risco-proveito. De acordo com essa teoria, aquele que lucra com uma situação deve responder pelos riscos e prejuízos dela resultantes.
Defende a Ministra Nancy Andrighi que esta linha de entendimento merece ponderação, pois “sob o ponto de vista econômico, a sistemática atribuição de responsabilidade ao estabelecimento pelos veículos subtraídos ou danificados em seu estacionamento tem por consequência o aumento dos preços dos produtos ou serviços oferecidos, na medida em que a empresa ou instituição, naturalmente, distribuirá o prejuízo em seus próprios custos operacionais”, conforme voto proferido no REsp 1426598/PR, julgado em 19/10/2017. Além disso, trata-se de imputação desmedida e irrestrita da responsabilidade, o que se entendeu não ser razoável.
Logo, para evitar que se transferisse integralmente a responsabilidade da guarda e vigilância do bem do proprietário para o estabelecimento comercial, estabeleceu-se na jurisprudência que a existência de responsabilidade da empresa somente se concretizaria se verificados alguns critérios: a relação existente entre a empresa que fornece estacionamento e aquele que ali estaciona – consumerista, comercial/empresarial ou meramente fática - ; as condições físicas do estacionamento; e a existência de excludentes de responsabilidade.
Com relação as condições do estacionamento, a Ministra, no julgamento do RESP nº 1.606.360/SC, ocorrido em 19/10/2017, e do RESP nº 1.431.606/SP, ocorrido em 15/08/2017, numerou (de forma exemplificativa) os seguintes: (a) pagamento direto pelo uso do espaço para estacionamento; (b) natureza da atividade exercida (se empresarial, de interesse social, o ramo do negócio, etc); (c) porte do estabelecimento; (d) nível de acesso ao estacionamento (fato de o estacionamento ser ou não exclusivo para clientes ou usuários do serviço); (e) controle de entrada e saída por meio de cancelas ou entrega de tickets; (f) aparatos físicos de segurança na área de parqueamento, tais como muros, cercas, grades, guaritas e sistema de vídeo-vigilância; (g) presença de guardas ou vigilantes no local; e (h) nível de iluminação.
Não há como se assegurar que a ausência desses critérios, em um eventual litígio, seria suficiente para afastar integralmente a responsabilidade da empresa, mas mostram-se como elementos acautelatórios.
Quanto à culpa exclusiva da vítima, os Tribunais afastam totalmente a responsabilidade do estabelecimento comercial. Exemplos desses casos são quando a vítima: (a) deixa o veículo no estacionamento, de forma espontânea, após o seu período de funcionamento; (b) deixa o veículo aberto; e/ou (c) sai do estacionamento, não se utilizando, visitando ou consumindo no estabelecimento.
É importante que o empresário consiga identificar quais são as peculiaridades de seu estacionamento e qual o tipo de relação que estabelece com aqueles que ali estacionam, para que seja possível mensurar os riscos aos quais está exposto e, a partir disso, adotar as medidas preventivas que julgue como as mais adequadas.
Autores: Lorena Fadel e André Enrique S. Lubascher são integrantes da Área Corporativa do Marins Bertoldi Advogados.
2 comentários
16 de Jun / 2019 às 14h37
E COM REFERENCIA A ZONA AZUL, O CRITÉRIO É O MESMO?
17 de Jun / 2019 às 08h00
Se você paga estacionamento em uma festa e encontra seu carro arrombado, levam tudo que tem dentro. Quem deve arcar com as despesas?? Afinal foi PAGO, para ficar seguro, senão colocava no meio da rua mesmo!