Nas décadas de 50/60/70 a cena mais comum nas ruas de Juazeiro era a figura da bodega. Contam-se décadas do tempo em que elas, as bodegas tinham de tudo para prover um lar. Da lenha ao pão fresco, que podia ser devidamente acomodado no saco de pano trazido de casa.
Em Juazeiro, Bahia, em pleno século XXI, o tradicional entra e sai de gente para pedir ou pagar o copo de cachaça já consumido direto para o "seo" João de Ana, resiste ao tempo e não se rende a modernidade com muita conversa boa ao pé do balcão e simpatia.
João Barros Medrado há mais de 50 anos é comerciante. Nascido em Queimadas, Bahia, diz com orgulho que é juazeirense desde os 8 anos quando a família veio morar nas margens do Rio São Francisco.
Atualmente ele trabalha, no bairro do Cajueiro, avenida Flaviano Guimarães, antiga rua de Baixo e mesmo que que tenha sido obrigado a deixar as verdadeiras características da bodega, como a venda de produtos a granel, por exemplo, guarda o mais importante: “a bodega e referência para a comunidade a sua volta e cumpre papel fundamental dentro do setor do comércio local".
Na "Bodega de João de Ana" que homenageia o nome da mãe, vende pimenta e a pinga. Pimenta cumari, Pimenta-do-reino preta, Pimenta dedo-de-moça e a mexicana são algumas das variedades.
"A mexicana é muito forte, conhecida no mundo por ser uma das mais ardidas. Já as cachaças além da pura tenho as de raízes; canela, quebra faca, todas, dizem, medicinais", brinca Seu João.
A jornalista e escritora Cristina Laura diz que "Seu João é teimoso, resiste e por isto teve que ser reinventado para sobreviver em tempos modernos com criatividade”.
A jornalista explica:" as bodegas que antigamente eram consideradas como uma pequena venda de produtos secos e molhados, vem do latim apothéca, lugar onde guardam comestíveis, e do grego apothêke, deposito, armazém, adega, taberna".
"As bodegas são de origem milenar e tinham quase tudo que a população precisava. Na Bodega de Seu João de Ana a especialidade é cachaça e pimenta. Os assuntos continuam frutificando com as rodas de conversas e assim todo dia tem encontro de amigos e acrescente a isto um tira gosto bem caseiro com os temperos mais saborosos", revela Cristina ressaltando que a procura da clientela é mais por bebida mesmo.
O lugar tem um tamanho razoável, mas fica pequeno com tanta coisa. As paredes são forradas de cachaças e pimentas, o balcão deixa visível em cima e nas prateleiras a variedade até desconexa de produtos.
Seu João fez a vida e a dos filhos do trabalho diário de comerciante. "Já tive açougue, trabalhei viajando por vários estados, mas é aqui nesta cidade, Juazeiro que sou feliz com os amigos", conta.
"As bodegas fazem parte de nossa história e falar nelas é mergulhar no tempo nostálgico, é reviver fatos de nossos antepassados. Uma bodega que não sai da minha memória é a do saudoso Pai de Wilson Duarte", finalizou "Seu João de Ana".
A Bodega que "Seu João" comentou do pai de Wilson Duarte, Edson e Gervilson Duarte virou até música: A Bodega da Saudade.
A poesia de Wilson é cantada pelo irmão Gevison e música que dá nome ao trabalho, o cd lançado ano passado retrata uma tradicional Bodega, na Flaviano Guimarães, onde viveram a infância e juventude.
A canção tem uma participação especial do cantor Flávio Leandro.
A Bodega de “seu Cacá” marcou uma época no comércio local, principalmente no atendimento de famílias que moravam próximo da “rua de baixo”, Coréia, Flaviano Guimarães, Cajueiro e moradores da área rural, de lagoa do Boi a Pinhões, Itamotinga, Abóbora, Poções, dentre quase uma centena de povoados no interior de Juazeiro, que ali se abasteciam. A grande maioria, lembra os filhos, deixava na “Caderneta de fiado” um débito para pagar “no mês que vem ” e consequentemente levar outra feira.
Dessa Bodega, situada no início da Flaviano Guimarães, “seu” Cacá criou e educou os 6 filhos, Gervilson, Engenheiro/Sanfoneiro; Miriam/Psicóloga; Edson Duarte, Ex-deputado e ex-ministro do Meio Ambiente; Edilson, Empresário; Célia, Advogada e Wilson Duarte ou Zé Brocoió, Radialista e humorista.
“Fomos criados todos dentro dessa bodega, ajudando a atender a clientela de amigos e aprendendo desde cedo as operações matemáticas, os primeiros conceitos de economia, mas principalmente uma regra que nosso pai não abria mão: o respeito aos clientes, todos eles colocados na conta de amigos e amigas”, disse Wilson Duarte, que é autor, com o irmão Gervilson Duarte, duma canção intitulada Bodega da Saudade, que conta a história dessa Bodega e faz uma homenagem a “seu” Cacá, que faleceu há cinco anos.
Casado com Dona Judite, que ainda mora no mesmo local onde funcionou durante muitas décadas a bodega, “Seu Cacá” deixou uma marca que ainda é muito lembrada: Sua irreverência, seu jeito de receber amigos e contar histórias e mais histórias.
Outras bodegas também tiveram seu apogeu de sucesso naquela área: A de “Seu Maninho”, na Flaviano e as bodegas de “Seu Zé Melancia” e a de “Seu Neném", na Henrique Rocha.
Redação Blog Foto: Ney Vital
4 comentários
30 de May / 2019 às 20h20
Lembro da venda de seu Cacá. Onde meu avô fazia a feira praclevat pra o interior do município. E não esquecendo a venda de seu ze melancia. Situada no final da rua Henrique Rocha. Onde também cedia de quase tudo.
31 de May / 2019 às 08h26
Quantas lembranças boas, minha infância foi na Rua 15 de novembro, fazia muitas compras pesadas na hora em quantidades pequenas, como MEIO QUILO em sacos de papel na venda do "Seu Cacà" "Seu Nenem" "Zé melancia" "Seu Maninho", e também lembro do armarinho do "Seu Zé Ramo". Que saudade éramos felizes.
31 de May / 2019 às 13h37
"E o produto precioso da budega era o amor fatiado no balcão"
31 de May / 2019 às 20h28
Parabens Geraldo, reportagem digna de quem tem o dom do jornalismo. Informação que esta ali e que poucos viram. Por isto sou ligado aqui no blog e programa de rádio.