Artigo - A cama de Procusto e a reforma da previdência

Na mitologia grega, Procusto era um perigoso salteador que costumava atrair viajantes para sua residência. Chegando ali, as vítimas eram deitadas numa cama de ferro, e depois que adormeciam tinham seus corpos moldados e ajustados de acordo com o tamanho do leito. Se fossem maiores, eram cortados a machado; se fossem menores, eram estirados com cordas até atingir a medida exata da cama.

É assim que têm avançado as políticas econômicas do pós-golpe. O que elas pretendem nada mais é do que moldar ou adequar as condições do povo às exigências do Estado (e do Mercado), quando deveria ser o oposto: eles é que têm de adequar-se às necessidades e bem-estar dos cidadãos e cidadãs – razão última de toda e qualquer política.

Tudo começou com a PEC 55, a famigerada “PEC da morte”, do Temer, que congelou por 20 anos todos os investimentos públicos, incluindo áreas vitais como saúde, educação e segurança pública. Ora, daqui a 20 anos – dizem as estimativas – o país terá 20 milhões de pessoas a mais. Sem contar o número de idosos que, sem dúvida, será bem maior. É surreal que cheguemos ao ano 2036, com 20 milhões de habitantes a mais, dispondo dos mesmos atuais investimentos em saúde e educação, só para citar dois exemplos.

O mesmo ocorre agora com a reforma da previdência, que outra coisa não é senão mais um ajuste fiscal que querem impor sobre o povo (e entre estes os mais pobres), para atender às exigências do Estado (e do Mercado).

Do montante de um trilhão de reais que o Guedes pretende economizar em 10 anos, mais de 800 bilhões sairão do bolso dos mais pobres, que serão assaltados nos seus direitos mais fundamentais, negando-se todo um conjunto de conquistas obtidas ao longo da história e consolidadas pela Constituição Cidadã de 88, caso da Seguridade Social e da Previdência, como sistema público e solidário.

Uma questão se impõe: o que justifica uma economia que se baseia na subtração dos direitos e benefícios dos cidadãos e cidadãs, em especial os mais pobres, se são justamente estes os destinatários das políticas do Estado?

Parodiando o mito de Procusto, os pobres serão obrigados a adequar-se às exigências fiscais do Estado (e do Mercado). Não importa se para isso, eles, os pobres, tenham de amargar o fim de direitos básicos como a própria aposentadoria – único meio de que dispõem para garantir uma velhice com o mínimo de dignidade.

José Gonçalves do Nascimento

Escritor