Dois anos após fechar o que ficou conhecido como "delação do fim do mundo", a Odebrecht tenta evitar que os episódios relatados se voltem contra a empresa ou seus executivos. Para isso, a empreiteira tem bancado uma ofensiva jurídica no STF (Supremo Tribunal Federal) com o objetivo de receber de volta as provas das colaborações que foram enviadas por ministros a órgãos investigativos que não se comprometeram formalmente a obedecer aos termos dos acordos.
Quando não consegue, tenta fazer com que ao menos esses órgãos obedeçam aos limites estabelecidos na delação (criminal) e leniência (civil) –principalmente, que não processem a Odebrecht. Os principais alvos são Ministérios Públicos dos estados, que têm solicitado ao Supremo provas para embasar seus inquéritos civis. Ao lado da empresa está o Ministério Público Federal, responsável por firmar os acordos e temeroso de que eventuais ações contra a Odebrecht travem futuras delações em outros casos.
Como a Folha revelou ano passado, esses pedidos de compartilhamento provocaram atritos, em São Paulo, entre procuradores do Ministério Público Federal e promotores do Ministério Público do Estado. Nessa época a Odebrecht passou a atuar de forma mais incisiva nos autos, por meio do advogado Rodrigo Mudrovitsch, sobretudo porque o ministro Gilmar Mendes autorizou o envio de documentos de alguns casos à Promotoria de Patrimônio Público paulista.
No último mês, a Segunda Turma do STF decidiu a respeito de um desses casos, no inquérito que envolve o senador José Serra (PSDB-SP). Em 2017, Gilmar havia autorizado que documentos do caso fossem compartilhados com o Ministério Público de São Paulo.
Atualmente, a Promotoria paulista tem um inquérito civil que apura irregularidades em licitações no trecho sul do Rodoanel, obra viária que circunda São Paulo, e investiga eventual enriquecimento ilícito de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador do PSDB.
No termo de abertura do inquérito civil, também são citados Serra e o ex-senador Aloysio Nunes (PSDB-SP).
No ano passado, o promotor Ricardo Castro pediu ao STF complementação atualizada desses documentos –e então a Odebrecht contestou nos autos. Disse que a decisão anterior de Gilmar "afronta diretamente as disposições previstas no Acordo de Leniência pela Peticionante com o MPF".
"A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de São Paulo não realizou, até o momento, adesão ao Acordo de Leniência, de forma que as informações resultantes do processo de colaboração realizado pela peticionante [Odebrecht] e os seus colaboradores individuais não podem, de forma alguma, ser compartilhadas com aquela Promotoria do Ministério Público em São Paulo dessa forma", argumentou a defesa da empreiteira.
O caso foi levado ao julgamento da Segunda Turma e ficou decidido, no último dia 12, que "a utilização das provas compartilhadas, nos termos da decisão anteriormente proferida, pressupõe a observância aos limites estabelecidos no acordo de leniência em relação ao requerente e aos demais aderentes".
Esses limites apontados na decisão, no entanto, não são tão claros para o promotor que toca o caso.
"A Odebrecht invoca esses acordos, mas em nenhum momento eles exibem esses documentos para a gente saber o que eles são e quais são as cláusulas que contêm nesse acordo específico", afirma Ricardo Castro.
"A decisão não altera em absolutamente nada [o inquérito]. A respeito de eventual limitação em relação ao uso da prova, como a Odebrecht quer fazer, isso tem que ser analisado de acordo com o que for trazido, mas não impede em absolutamente nada o fornecimento dessa prova", diz ele.
Castro afirma que seu inquérito foi aberto com base em reportagens jornalísticas –a respeito dos fatos citados na delação– e que, apesar de ter solicitado o material da Odebrecht, não depende dele para tocar as apurações. Diz que tem produzido outras provas de forma independente.
Outros promotores preferiram não arriscar. Antes do inquérito de Serra, a Segunda Turma do STF já tinha tomado decisão similar em caso que envolve o atual vice-governador de São Paulo, o ex-deputado Rodrigo Garcia (DEM): de compartilhar as provas respeitando os limites do acordo.
Mas em vez de utilizá-las, a Promotoria preferiu fazer um acordo paralelo com a Odebrecht, em setembro. Nele, a empreiteira se comprometeu a devolver em um ano o dinheiro que afirma ter usado para pagar caixa dois a Garcia, R$ 200 mil corrigidos, na campanha de 2010.
O trato aguarda aval do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo.
Segundo o promotor que cuida do caso, Silvio Marques, mesmo se ele tivesse usado as provas dentro dos limites da delação, haveria o risco de algum tribunal anular eventual processo decorrente do inquérito.
Em outro caso, que envolve o consórcio que realizou a reforma do Maracanã, a Odebrecht pressionou nos autos o Ministério Público do Rio de Janeiro a comprovar que havia aderido ao acordo de leniência –o que a Promotoria fluminense afirmava já ter feito.
"O D. MPRJ não demonstrou, no caso concreto, a sua adesão ao Acordo de Leniência", reclamava a empreiteira ao ministro Edson Fachin, antes de obter a confirmação.
Procurada, a Odebrecht afirma em nota que "tem colaborado de forma eficaz com as autoridades em busca do pleno esclarecimento dos fatos narrados pela empresa e seus ex-executivos".
"A Odebrecht já usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente."
O senador José Serra diz que "até o momento, nem ele nem sua defesa têm conhecimento do inquérito civil mencionado pela reportagem da Folha". Ele disse que jamais recebeu vantagem indevida e suas contas de campanha ficaram a cargo do partido.
Aloysio Nunes afirma que, no STF, o inquérito que o investigava foi arquivado após quase dois anos de investigação por falta de prova. "Será que esses promotores não acham nada de útil para fazer, em vez de perder tempo chovendo no molhado?", questionou, em nota. Rodrigo Garcia não se manifestou sobre o inquérito, mas informa que no Supremo a apuração foi arquivada.
Com informações da Folhapress
1 comentário
25 de Feb / 2019 às 23h53
A empreiteira que comprou o PT.