Bastou um rastro. A pegada de uma onça-pintada na região do Boqueirão da Onça, na Bahia, comprovou o que os biólogos ainda não sabiam: esta espécie, conhecida cientificamente como Panthera Onca (se escreve sem cedilha), também estava habitando aquela região.
Foi o que faltava para que o pedido de criar uma área de proteção ganhasse ainda mais força – uma discussão que se arrastava havia pelo menos 14 anos. O argumento era forte: a onça-pintada está criticamente ameaçada de extinção na caatinga e preservar a área poderia surtir efeito nos esforços de proteger a espécie. Além disso, a região era habitada pela onça-parda (Puma concolor), também em perigo de extinção.
Em abril de 2018, o pedido finalmente saiu do papel: foi criado o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, com 347 mil hectares, e a Área de Proteção Ambiental (Apa), com 505 mil hectares – cada uma com regras específicas de uso do solo.
. As ameaças à conservação das espécies e o desafio de preservá-las são foco do especial "Desafio Natureza", que já falou sobre a arara-azul-de-lear, que chegou a ser considerada extinta e foi 'redescoberta' na caatinga há 40 anos.
A onça-pintada e a arara-de-lear fazem parte das 1.173 espécies que vivem sob risco de extinção no Brasil. A caatinga abriga 182 desses animais – 46 são espécies endêmicas, ou seja, só existem neste lugar do mundo.
Era o ano de 2006. O analista ambiental Rogério Cunha estava fazendo estudos sobre o impacto no entorno da barragem de Sobradinho, do rio São Francisco, quando encontrou uma pegada que parecia ser de onça-pintada. Dois anos depois, câmeras fotográficas instaladas na mata, acionadas por sensores de movimento, captaram a imagem do felino. Era ela.
Até então, os pesquisadores só tinham conhecimento da presença da onça-parda (Puma concolor) naquela área. A espécie, ao lado do relevo, deu nome à região: ‘Onça’ é em referência à parda‘, já boqueirão’ é um acidente geográfico, um vale formado entre montanhas onde existe água – ali há muitas nascentes.
“A gente sabia que existia onça-pintada na Serra da Capivara [no Piauí] e em outras áreas da Bahia, como a Chapada Diamantina e no Raso da Catarina. No Boqueirão foi a primeira vez que foi vista”, conta Cunha.
"A população de onça-pintada na caatinga está diminuindo. Em 2009, eram 50. Hoje, são cerca de 30", diz Cláudia Bueno de Campos, bióloga e coordenadora do Programa Amigos da Onça, do Instituto para a Conservação dos Carnívoros Neotropicais – Pró-Carnívoros.
"A importância de preservar lugares como o Boqueirão da Onça, que tem um amplo território preservado, com nascentes de água, é criar um ambiente propício para o desenvolvimento da espécie, que percorre grandes regiões para se alimentar e é muito territorialista", diz.
O Boqueirão da Onça é formado por desfiladeiros, montanhas e cavernas em meio à vegetação resistente. É considerado a área mais preservada dentro da caatinga, um bioma que por si só já vale o esforço de conservação por ser o semiárido mais biodiverso do mundo. Por ali também se concentram nascentes de rios que garantem a oferta de água, mesmo quando há seca, e cavernas com inscrições rupestres.
Mas, há conflitos. A área possui enorme potencial eólico e abertura de estradas para instalação das turbinas tem trazido impacto para os animais. Há também interesses de mineradoras. Na área, há jazidas de ametista, cuja exploração irregular pode levar a desastres ambientais.
“Inicialmente, era um grande bloco de conservação. Entretanto, há diversas comunidades que vivem nessa região e alguns empreendimentos [turbinas de energia eólica]. Foram criadas, então, duas áreas. O parque tem uso mais restrito, só são permitidas atividades de pesquisa, recreação e turismo. Já a Apa possibilita que as comunidades permaneçam onde estão e regulamenta as atividades econômicas”, diz Camile Lugarini, chefe do núcleo de gestão integrada do Boqueirão da Onça, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de Juazeiro (BA).
Foto: Claudia Campos/Arquivo Pessoal G1 Ba
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