Agricultoras/es de Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto de diversas regiões da Bahia lotaram o auditório Jorge Calmon, na Assembleia Legislativa da Bahia – ALBA, durante uma Audiência Pública realizada na manhã do dia 17 de dezembro. Representantes de organizações da sociedade civil, deputadas/os, pesquisadoras/es, Ministério Público e agricultoras/es debateram o prazo para autorreconhecimento das comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto.
O evento, proposto pelo mandato do Deputado Estadual Marcelino Galo, teve o objetivo de questionar o prazo (31 de dezembro de 2018), para que as comunidades juntem os documentos necessários e possam dar entrada com um pedido de reconhecimento, na Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia.
Valdivino Rodrigues, da Articulação Estadual de Fundo e Fecho de Pasto espera, com audiência, pressionar o Poder Executivo e Poder Legislativo da Bahia para revogar o prazo imposto pela Lei 12.910/13. "A nossa luta aqui é para que a Assembleia Legislativa, que já tem um projeto de lei tramitando na casa, possa revogar o prazo de 31 de dezembro de 2018", declarou a liderança.
Na avaliação de Naidson Quintella, representante estadual da Articulação Semiárido Brasileiro - ASA/BA, o povo deixou para o governador um recado bem explícito: "a lei é ruim e precisa ser mudada".
A presidenta da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR, Tatiana Dias Gomes, foi ainda mais enfática. De acordo com a advogada, tanto o prazo, quanto o contrato de uso das terras previstos na lei não encontram "repercussão em nenhum instrumento jurídico, nem na política, nem no bom senso", o que segundo ela torna a lei "ilegal, injusta e inconstitucional". Tatiana diz que "o direito de existir não deve ter uma limitação".
Invisibilidade e conflitos
A representante do Ministério Público Estadual na audiência, Luciana Khoury, acredita que o não reconhecimento das comunidades tradicionais e a não regularização dos territórios, o que ela chamou de "invisibilidade", é algo proposital, para atender a interesses dos grandes empreendimentos e que isso expõe às comunidades a conflitos. "É uma coisa historicamente proposital, porque se disputa esses territórios para os grandes empreendimentos", explica a Promotora de Justiça.
Segundo Luciana Khoury, as comunidades não podem ser responsabilizadas por não cumprir o prazo, pois, segundo a Constituição Baiana, o Estado da Bahia deveria ter feito o levantamento de comunidades tradicionais há décadas. Ela espera que o Governo Estadual tenha bom senso para resolver a situação sem prejudicar as comunidades.
A fala de Luciana sobre a disputa de áreas comunga com os argumentos apresentados pela professora Guiomar Germani, integrante do grupo de pesquisa Geografar, da Universidade Federal da Bahia – UFBA. A pesquisadora diz que há sobreposição entre os mapas das comunidades tradicionais da Bahia e os mapas de áreas de interesse dos grandes empreendimentos.
Com "invisibilidade" das comunidades tradicionais perante o governo, tem sido crescente o avanço de eólicas, mineradoras e agronegócio sobre áreas de preservação e produção nas comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, o que tem colocado em risco a vida e dignidade das famílias. "Não há dignidade na comunidade tradicional sem o seu território", afirmou José de Jesus, morador de uma comunidade quilombola em Caém-Ba e integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA.
O deputado Marcelino Galo classificou a audiência como fundamental. Por várias vezes o parlamentar destacou a importância da preservação ambiental, algo que as comunidades de Fundo e Fecho de Pasto têm realizado ao longo dos séculos. Na opinião do Marcelino, "não tem como defender a natureza, o ambiente, sem defender os povos que ali vivem". O deputado disse ainda que a "lei não atende aos trabalhadores, as comunidades de Fundo e Fecho de Pasto" e que junto com outros integrantes da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT), solicitará que "a Casa Civil que peça ao governador que inclua esse projeto, pelo menos da alteração da data limite, para que seja votado ainda esse ano".
Para o Professor Paulo Torres, da Universidade Federal da Bahia, que pesquisa os Fundos e Fechos de Pasto a mais de três décadas, é preciso que as comunidades continuem "se organizando para garantir a permanência no território e as políticas públicas". Valdivino Rodrigues garante que as comunidades continuarão lutando por seus direitos, "não é a última vez que a gente vem aqui", declarou.
A audiência pública contou com a presença de lideranças do Quilombo do Rio dos Macacos (que enfrenta uma disputa agrária com a Marinha do Brasil), estudantes do curso de Educação no Campo da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, ASA, MPA, AATR, Articulação Estadual de Fundo e Fecho de Pasto e representantes do Governo do Estado da Bahia.
Comunicação do Irpaa
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