Nas primeiras letras do nome de registro, Aécio já carrega consigo uma sequência de notas musicais. "A é Lá; E é Mi; C é Dó", destrincha, enquanto manipula um dos instrumentos fabricados por ele na casa-oficina em que reside no Crato. De Zaira foi o "sobrenome" que escolheu, emprestado da filha Iara.
Com DNA cearense, o luthier apresenta-se humoristicamente como "carioca da beira do Rio Granjeiro". É desse curso d'água que passa por de trás do seu quintal, que ele retira o material para a construção de rabecas, violas, tambores, entre outras peças inventadas com a criatividade de quem cresceu no sertão, terceiro de dez irmãos, logo, sem tantos recursos.
O apreço pela arte veio da base. A mãe era cantora e atriz; o avô, violeiro. Sendo assim, não foi difícil que, aos 8 anos, Aécio já começasse a construir as próprias engenhocas musicais. O "violão de tala", feito com palha de coqueiro, foi a primeira delas. "Minha mãe dizia que ele durava pro resto da vida e mais seis meses", lembra entre risos. "Se não molhar e não queimar, ele nunca se acaba. Tenho peça de 20 anos guardada", conta o luthier.
Desde a infância, o cratense já enxergava a possibilidade de ganhar algo com essas "invenções", e olhe que ganhava mesmo. Ele trocava as peças que fabricava por moedas ou até mesmo biscoitos. E enquanto uns riam de mãos abanando, ele comemorava com seus "courinhos de rato" no bolso, como se refere a dinheiro até hoje.
Estudar naquele tempo era coisa rara. Aécio trabalhava como jardineiro para a professora, em troca do fardamento e da mensalidade, mas não prosseguiu no percurso da alfabetização, deixando a escola no primário. Nas ruas, porém, continuava estudando formas de transformar o que encontrava em instrumentos musicais.
Aos 12, construiu o primeiro violão de madeira. "Eu era tão desorganizado, não sabia nem o que era um violão, tanto que botei só quatro cordas. E a madeira era tão pesada, que tinha que ser duas pessoas pra pegar", lembra entre risos. Tocar era outra coisa distante. De vez em quando, aproveitava a presença dos colegas do pai que vinham beber em sua casa para aprender uma nota ou outra. A ida para São Paulo, onde viria a morar durante 14 anos, traria mais amadurecimento musical. No tempo que passou no Sudeste, fez mais de 40 cursos. Formou-se carpinteiro, marceneiro, pintor, mecânico, e também estudou música.
Em São Paulo, chegou a tocar com nomes referenciais, tais como Luiz Melodia, e quase viajou para fora do País, mas preferiu retornar à terra natal. De volta à região do Cariri, e com muita experiência na bagagem, o então luthier começou a vender instrumentos bem finalizados, negócio que vem sustentando a família há duas décadas.
A arte pela arte, porém, nunca foi a intenção de Aécio de Zaira. Conectado à sua criação está um trabalho de cuidado e preservação do meio ambiente.
"Todos os materiais eu encontro no lixo. Até eu tava lá", brinca. "Nesse rio, descendo aqui, já vi oito portas estragadas. As pessoas colocam dentro do rio pra entupir. Aí eu pego trago pra cá, tiro a parte estragada, e a outra parte, se eu vejo que dá pra fabricar um instrumento, eu fabrico", detalha. Faz o mesmo com outros móveis que encontra. Assim, todos os instrumentos com sua marca têm origem em materiais que reaproveita.
Diário do Nordeste Roberta Souza
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