Um dos mais importantes capítulos da história da Música Popular Brasileira começou a ser escrito em 10 de julho de 1958, no Edifício São Borja, na Avenida Rio Branco, 277, em frente à Cinelândia, Rio de Janeiro. Ali, no quarto andar, funcionava o estúdio da Odeon, onde o baiano de Juazeiro, João Gilberto gravou em 78 rotações Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, canção que deu origem à bossa nova.
O canto sussurrado de João, assim como a inovadora batida de violão — ouvida originalmente no Canção do amor demais, o LP de Elizeth Cardoso, lançado três meses antes — registrado no compacto, inicialmente, soou estranho para muita gente. Mas impactou jovens e futuros astros da MPB, entre eles Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Edu Lobo.
A repercussão daquele disco, que trazia do outro lado Bim bom (uma das raras composições de João Gilberto) foi enorme. Mesmo assim, só em março de 1959 é que sairia o LP, sob o título de Chega de saudade, com 12 faixas, entre as quais Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça), Lobo bobo (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli), Rosa Morena (Dorival Caymmi), É luxo só (Ary Barroso) e Aos pés da cruz (Marino Pinto e Zé da Zilda), além de Ho-ba-lá-lá, também de João.
De qualquer maneira, o movimento, que teve João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes como pilares, já era uma realidade. Influenciada pelo jazz — especialmente, o cool jazz e o bebop —, foi assimilada de imediato por jovens cantores e compositores de classe média da Zona Sul do Rio. O núcleo central se reunia no apartamento de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana.
Vista como uma maneira nova de cantar e tocar o samba urbano carioca na época, a bossa nova promoveu a reformulação estética do estilo musical brasileiro mais representativo. Isso ocorria também em reuniões casuais no meio universitário carioca. Em seguida, chegaria ao circuito dos bares, do Beco das Garrafas, na Rua Prado Júnior, em Copacabana.
Roberto Menescal, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Luiz Carlos Vinhas, Luiz Eça, Chico Feitosa, Oscar Castro Neves e Sylvia Telles eram alguns desses jovens integrantes da “turma da bossa nova”, que se juntava para difundir o novo gênero nas denominadas “samba sessions”. Todos bebiam na fonte da revolução deflagrada por João Gilberto.
A trilogia de álbuns clássicos, que reafirmaria a fundamental contribuição do cantor para o movimento foi complementada por O amor, o sorriso e flor, de 1960, e João Gilberto, lançado no ano seguinte — todos pela Odeon. Outros títulos da discografia de João são igualmente reverenciados, entre eles Getz/Gilberto, gravado para o mercado norte-americano (1964), Amoroso (1977) e Brasil, com a participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia (1981).
Entre 1971 e 1979, João fez excursões pelos Estados Unidos, Europa e Japão e cumpriu longa temporada no México. No Brasil, são incontáveis os shows que apresentou, incluindo dois em Brasília — o primeiro em 19 de janeiro de 1995, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional, e o outro em 29 de novembro de 1999, na Academia de Tênis. Ele voltaria aqui em outubro de 2011, mas a turnê comemorativa dos 80 anos acabou sendo cancelada.
“João Gilberto foi da maior importância para a bossa nova. Nós estávamos começando a fazer nossas músicas e ainda não existia o termo bossa nova quando conheci João. O suingue que ele tirava do violão era o que estávamos procurando. Na época, eu tinha uma batida de violão, Carlinhos Lyra tinha outra, assim como o Oscar Castro Neves. Mas a batida do João veio para definir o que a gente queria”, lembra o compositor, arranjador e violonista Roberto Menescal.
Ele acrescenta: “Em 1958, João havia gravado Canção do amor demais, o disco da Elizeth Cardoso, acompanhando-a ao violão em Chega de saudade e Outra vez, de Tom e Vinicius. Mas a bossa nova estourou, numa velocidade impressionante, após a gravação de João, tocando e cantando justamente Chega de saudade. Não sabíamos qual iria ser a durabilidade desse movimento, e já estamos aí, celebrando 60 anos, compondo novas músicas, gravando discos e fazendo muitos shows. Viva a bossa nova!”.
Bossanovista de primeira hora, o cantor e compositor Carlos Lyra conta que a batida do violão de João Gilberto já era conhecida por ele, Menescal, João Donato e Tom Jobim. “Em reuniões de que participávamos, ouvíamos João tocando e víamos algo de diferente naquela batida. Aquilo causou um grande impacto entre as pessoas que ouviram a gravação dele para Chega de saudade. Houve quem tomou conhecimento ouvindo o compacto lançado pela Odeon, mas as pessoas foram surpreendidas mesmo quando a música começou a tocar no rádio.”
Lyra destaca também o arranjo de Tom Jobim para a canção: “Eu tinha várias músicas compostas, antes do João gravar Chega de saudade, que foi determinante para que surgisse o movimento, denominado Bossa Nova, nome que dei ao meu primeiro LP, gravado em 1959 e lançado no ano seguinte”. Aliás, ele marca presença no álbum Chega de saudade, com Lobo bobo, parceria deles com Ronaldo Bôscoli.
Representante da segunda geração da Bossa Nova, Marcos Valle tinha 17 anos quando ouviu a recém-lançada Chega de saudade. “Estava numa festinha no Leblon, e aí um amigo nosso chegou com o compacto e pôs para tocar na vitrola. De imediato, a atenção de todos nós se voltou para a gravação de João. Impactados, ouvimos Chega de saudade diversas vezes”, recorda-se. Adolescente, que tocava piano, ainda não sabia que profissão eu exerceria. Mas, depois daquela audição, decidi que trabalharia com música”, revela.
Em seguida, matriculou-se na academia de violão, que Menescal mantinha em Copacabana e logo aprendeu a tocar o instrumento. “Aí, comecei a compor ao violão. A primeira vez que mostrei minhas músicas em público foi numa reunião na casa do Vinicius de Moraes e fui incentivado por todos os presentes. Depois, com Edu Lobo e Dori Caymmi formamos um trio para tocar bossa nova. Em 1963, lancei meu primeiro LP solo, o Samba demais, que trazia canções como Amor de nada e Sonho de Maria, que fez em parceria com o irmão Paulo Sérgio Valle; Ela é carioca (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) e Ilusão à toa (Johnny Alf, entre outras. “Era um disco totalmente bossa nova”, destaca.
Patrimônio da música popular brasileira, João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, nascido em 10 de junho de 1931, em Juazeiro (Bahia), está sob os cuidados da filha Bebel Gilberto (do casamento com a cantora Miucha). Ela o instalou em apartamento cedido por uma amiga da família, depois de ser despejado, por falta de pagamento, do flat no Leblon, onde morou durante vários anos.
Rosa Passos, a cantora, compositora e violonista baiana-brasiliense, que foi chamada de “João Gilberto de saias” pelo pesquisador e biógrafo Ruy Castro, ouviu Chega de saudade aos 11 anos. “Eu morava em Salvador, estudava piano e ganhei de presente da minha irmã Arizete o compacto com essa música, marco da bossa nova. Ao ouvir o diálogo entre o canto suave e o violão de Joãozinho, fiquei impressionadíssima e o tomei como ídolo” relata.
Que ninguém veja pretensão no fato de Rosa chamar o genial cantor e violonista de Joãozinho. Ela é uma das raras pessoas que foram recebidas por João, no flat onde ele morou até pouco tempo atrás no Leblon. “Em 1983, fui levada até Joãozinho por Edinha Diniz, uma amiga em comum, que também era moradora do flat, atendendo a um pedido meu”, frisa.
“Cheguei ao Rio numa sexta-feira pela manhã e fiquei aguardando o chamado dele, no apartamento de Edinha. Às três da manhã, Joãozinho ligou para ela, pedindo que me levasse ao encontro dele. Ao abrir a porta, disse para a minha amiga: ‘Obrigado por me trazer uma flor’. Fiquei ali até o meio-dia de sábado. Conversamos bastante, mostrei algumas músicas minhas e cantamos e tocamos juntos Isaura (Herivelto Martins e Roberto Riberti) várias vezes. Ele cantou para mim Curare (Bororó), que deu nome ao meu CD de estreia. Foi tudo inesquecível”, recorda-se.
Em 8 fevereiro de 2006, à véspera de uma viagem para Nova York, onde ia se apresentar no Carnegie Hall, Rosa recebeu uma ligação. “Não quis acreditar quando ouvi a voz dele, me desejando bom show”, comenta a cantora que, dois anos antes, havia lançado Amorosa, seu quarto disco, em homenagem ao ídolo e amigo.
Correio Braziliense Foto: divulgação
2 comentários
11 de Jul / 2018 às 09h11
Ô Carlão, tu é um IGNORANTE mesmo ! Fica calado que é melhor. Prova que não conhece nada da história dos movimentos culturais e das músicas de altíssima qualidade. Deve ser ouvinte dessas "fezes musicais" da atualidade. Fã de Todinho e cia. Só pode!!!
11 de Jul / 2018 às 15h10
Falando de João Gilberto, lembro de Edésio Santos cantando Lavadeiras do Angarí.