Menos de 7% das terras reconhecidas como pertencentes a povos remanescentes de quilombos estão regularizadas no Brasil. Nos últimos 15 anos, 206 áreas quilombolas com cerca de 13 mil famílias foram tituladas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão que executa a titulação das terras já identificadas e reconhecidas.
Desde 1988, o Estado já reconheceu oficialmente cerca de 3,2 mil comunidades quilombolas. Quase 80% delas foi identificada a partir de 2003, quando foi editado o Decreto 4887, que traz os procedimentos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por quilombolas. Sem a certificação, os territórios que remontam ao período colonial e que serviram de refúgio para negros escravizados ficam inacessíveis para políticas públicas básicas e se tornam alvos de conflitos.
Para lideranças quilombolas, o decreto foi eficiente no reconhecimento das comunidades existentes no país e na garantia de que as famílias tenham acesso a direitos. Os ativistas lamentam, entretanto, que na etapa final de titulação os processos não avancem. “Conceitualmente, o decreto proporcionou avanços. Na prática, o decreto é só um instrumento, ele depende da operação da máquina estatal para que realmente se torne efetivo. E aí a gente entende que o racismo institucional ainda impera”, avaliou Ronaldo dos Santos, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq).
Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade do Decreto 4887, que baseia todo o processo de titulação dos territórios de comunidades quilombolas. A decisão do Supremo garante ainda que não é necessário estabelecer o marco temporal de 1988 para a concessão dos títulos para os quilombolas, como pleiteavam algumas entidades.
“Mesmo com essa vitória no STF, a gente ainda enfrenta ameaças constantes por parte de fazendeiros que, de certa forma, pelo fato de não terem ainda o repasse do valor [da desapropriação], dizem que essas terras são deles. Por mais que a gente já tenha em mãos a demarcação, ainda encontramos essa situação de várias comunidades no Brasil com processo aberto e que acabam sofrendo ameaças”, relata Valéria Porto, jovem quilombola da comunidade de Pau D’Arco – Parateca, situada na cidade de Malhada, interior da Bahia.
No território onde está o povo de Pau D’Arco-Parateca vivem cerca de 750 famílias distribuídas em oito comunidades. Estudos apontam que o quilombo foi iniciado na área ainda no século 17. A comunidade já foi reconhecida pela Fundação Palmares, mas ainda aguarda a titulação. “A questão maior é garantir o título e junto com ele acesso às políticas públicas que realmente garantem a sustentabilidade das famílias que ali estão”, destacou Valéria.
“Não existe povo sem território. Eu preciso do meu território, porque a certificação me dá reconhecimento enquanto quilombola. Sem a certificação eu não posso construir casas de quilombolas. Quando eu não tenho a propriedade desta terra, eu não posso desenvolver a minha cultura, minha agricultura, minha pecuária, a minha vocação econômica, porque pode chegar uma pessoa dizer que é o dono e eu perder minha lavoura, minha casa, então fica difícil fazer investimentos”, explicou o presidente da Fundação Cultural Palmares, Erivaldo Oliveira.
Agencia Brasil
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