Artistas profissionais e amadores, além de educadores e gestores de instituições que promovem a atividade artística em Petrolina, lançaram nesta quinta-feira (26) um manifesto contra a Lei nº 3.012/2018, publicada na edição desta quarta-feira (25) do Diário Oficial do município. De autoria do vereador Rodrigo Teixeira Araújo (PSC), a Lei proíbe o acesso de jovens menores de 18 anos em exposições de obras e espetáculos que contenham nudez, conteúdo devasso, libidinoso ou imoral, ainda que com a autorização dos pais. Como infração aos equipamentos culturais que descumprirem essa determinação ou não afixarem a proibição prevista na Lei, serão aplicadas multas de até 1000 UFM (Unidade Fiscal do Município), interdição do estabelecimento e cassação da licença de funcionamento.
No manifesto, os artistas argumentam que a Lei nº 3.012/2018 viola preceitos constitucionais básicos, como a liberdade de pensamento e expressão artística, extrapola a competência legislativa do município ao legislar sobre a proteção à infância e à juventude, faz uso de conceitos genéricos e indeterminados para se referir às obras, retira dos pais o poder de tutela sobre a educação de seus filhos para conferir aos órgãos fiscalizadores do município o poder de cerceamento da expressão artística, institui censura prévia e coloca o artista sob o julgamento moral e subjetivo de um fiscal ou censor. "A perseguição à arte é um dos primeiros sintomas do estabelecimento de um clima de fascismo e ditadura no país", afirma o documento. Uma petição pública de apoio aos artistas está disponível no link: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR105947. Segue a íntegra do manifesto:
Manifesto contra Lei que tolhe a atividade artística em Petrolina
Nós, cidadãos/ãs, profissionais e amadores/as da área artística e cultural, educadores/as de artes e gestores/as de instituições que promovem a atividade artística no município de Petrolina, vimos a público nos manifestar contra a Lei nº 3.012/2018, de autoria do vereador Rodrigo Teixeira Araújo (PSC), publicada no Diário Oficial do dia 25 de abril de 2018. A Lei, em cuja ementa afirma-se dispor "sobre a proibição do ingresso em exposição de obras de arte e espetáculos que disponham de conteúdo impróprio para crianças e adolescentes", é um grave ataque a preceitos invioláveis, como a liberdade de pensamento e expressão artística, garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Em seus quatro artigos e cinco parágrafos, a Lei desrespeita frontalmente o artigo 5° da Constituição, que, em seus incisos IV e IX, garantem o direito à livre "manifestação do pensamento" e à liberdade de "expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Além disso, extrapola a competência legislativa do município, em face da usurpação da competência geral estabelecida no artigo 24, inciso XV, da Constituição Federal, que afirma expressamente competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre a "proteção à infância e à juventude". A Lei nº 3.012/2018, em essência, incorre em preocupante inconstitucionalidade formal.
Ademais, em seu artigo 1°, quando resolve dissertar sobre a proibição da entrada de crianças e adolescentes em exposições de obras de artes e espetáculos, repete enunciados já previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sobre o acesso de crianças ou adolescentes às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária. Entretanto, faz uso de conceitos genéricos e indeterminados para se referir às obras, como "imoral", "devasso" e "libidinoso", causando insegurança à atividade artística ao instituir censura prévia e colocar o artista sob o julgamento moral e subjetivo de um fiscal ou censor. É relevante lembrar aos senhores parlamentares que noções de moralidade são definidas a partir da vinculação de um indivíduo a princípios religiosos, éticos e filosóficos de uma comunidade ou grupo social, isto é, variam de acordo com a formação individual do ser humano. Nesse contexto obscurantista, a Lei retira dos pais o poder de tutela sobre a educação de seus filhos para conferir aos órgãos fiscalizadores do município o poder de cerceamento da expressão artística, o que, além de inconstitucional, demonstra ser um movimento de criminalização da atividade artística por parte de setores conservadores da política local.
Avançando na análise da Lei, os artigos 2° e 3° afirmam que os estabelecimentos deverão fixar em local visível e de fácil acesso ao público aviso contendo a proibição prevista na Lei e que a infração acarretará ao infrator, proprietário ou responsável do espetáculo multa de até 1000 UFM (Unidade Fiscal do Município), interdição do estabelecimento e cassação da licença de funcionamento. Ou seja, mesmo usando termos indeterminados, genéricos e subjetivos, violando preceitos básicos da Constituição e extrapolando sua competência federativa, a Lei chega ao despropósito de ameaçar fechar estabelecimentos dedicados à livre expressão das atividades artísticas e culturais.
Ora, ao invés de propor Projetos de Lei que incentivem o desenvolvimento de atividades artísticas e culturais em um município tão carente de iniciativas desse tipo, o que a Câmara de Vereadores de Petrolina tem a oferecer aos artistas e ao respeitável público é a ameaça de fechamento dos poucos equipamentos culturais disponíveis para a livre expressão das artes. É ainda mais triste quando recordamos que o projeto de construção do Teatro Municipal de Petrolina se arrasta há quase duas décadas e a única Lei municipal que incentiva a produção artística, o Festival Geraldo Azevedo da Canção, não é cumprida há oito anos. Será que os vereadores de Petrolina estão preocupados com isso? O que têm feito para exigir a construção do Teatro e a realização do Festival? Quais Projetos de Lei de incentivo à produção artística foram aprovados nesta legislatura?
Ainda mais preocupante é saber que Leis como essa se repetem, inclusive com o mesmo texto, em diversas câmaras de vereadores de municípios brasileiros, como parte de uma crescente e obscura articulação nacional de parlamentares reacionários, cujos propósitos são os de perseguir a produção artística e a livre manifestação de pensamento, espalhar a censura prévia e colocar em xeque a nossa tão frágil democracia. O angélico argumento é sempre o mesmo: "proteger as crianças e adolescentes contra toda influência que contraria a moral e os bons costumes", como justificou o parlamentar Rodrigo Teixeira Araújo.
A perseguição à arte é um dos primeiros sintomas do estabelecimento de um clima de fascismo e ditadura no país.
Precisamos reagir com veemência!
Assinam este manifesto os grupos:
Associação Raízes
Baque Opará
Cia Biruta
Coletivo Incomum de Dança
Coletivo Passarinho
Confraria 27
Clã Vira
Cia Balançarte
Experiment'ai
Núcleo Biruta de Teatro
Qualquer Um dos 2 Cia de Dança
TPA – Teatro Popular de Artes
Trup Errante
Por Luís Osete
2 comentários
26 de Apr / 2018 às 21h17
Que tipo de artista aprova um espetaculo em que menores de 18 anos tenham acesso a eventos contendo nudez. Romeu e Julieta nao tem cena de nudez e é a mais bela hsitoria interpretada em filmes e teatros. Será que são artistas mesmo? Infelismente o que eles chamam de arte é vergonha, se eles precisam de nudez e sexo para chamar de arte!!
27 de Apr / 2018 às 02h00
Caros Mauro e Rafa, o que os artistas estão também criticando é o fato de haver perseguição à classe artística de Petrolina. Estão certos sim em serem contra, até porque quem tem competência para legislar sobre classificação de entretenimentos é a União e não o Município. Esses vereadores da bancada evangélica deveriam se preocupar com outros problemas em Petrolina... Aliás, Rafa, "infelizmente" se escreve com "z" e não com "s". ;)