Não é comum que a mídia brasileira dê ampla repercussão a eventos culturais ocorridos na “terrinha” de além-mar, mas na última terça-feira, 24 de abril, foi diferente. Tratava-se do discurso de aceitação do Prêmio Camões, o mais importante do mundo lusófono, concedido a Chico Buarque de Hollanda em 2019 e finalmente entregue em Lisboa, na véspera do 25 de abril, quando Portugal comemora o aniversário da Revolução dos Cravos. Em seu discurso Chico exaltou a efeméride, evocando os versos de sua canção Tanto mar, sem deixar de lembrar também – num gesto ousado que a presença de tantas autoridades portuguesas não inibiu – seus antepassados cristãos-novos (Diogo Pires e Orovida Fidalgo) que viriam dar com os costados no Nordeste brasileiro ainda no século XVI, fugindo da perseguição implacável dos inquisidores ibéricos.
A ampla cobertura do evento, no G1, Uol e similares, destacou quase que exclusivamente – por motivos óbvios e mais do que justos – a estocada no ex-presidente brasileiro a quem Chico, com admirável ironia, “agradeceu” (tendo a sabedoria de não citá-lo nominalmente, no que o sigo aqui), por sua “rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões” com a sua assinatura quando a distinção foi concedida. Desincumbido, portanto, de comentar o fato de olho em suas consequências imediatas para o noticiário, gostaria de deslocar a ênfase para outras passagens da fala de Chico, igualmente contundentes e merecedoras de destaque. Essa uma das vantagens em atuar na esfera acadêmica, ao menos em seu sentido original; despreocupado da obrigação de “permanecer relevante”, gerar likes, repercutir, enfim, o pesquisador pode se concentrar naquilo que à primeira vista parece lateral e secundário, mas que na maioria das vezes é exatamente onde está a beleza mais humana e irrepetível de um momento singular...