Eziel José da Silva, carinhosamente conhecido como Maia, era um homem negro de olhar incisivo, voz grave que se elevava fácil na sincronia com os gestos largos. Um ser errante que um dia sonhou em ser missionário. Calçou um tênis acolchoado, vestiu uma calça surrada, um boné sem cor e foi à rua “vomitar a palavra de Deus na alma das pessoas”.
Quem via Maia chegando ao restaurante popular ou amarrando a bicicleta no tronco de uma árvore, com seu jeito reservado e circunspeto, nem imaginava os arroubos que acompanhavam seus passos inquietos em determinados dias da semana, quando encarava a missão de ser “o ciclista de Deus”.
“Deus é energia positiva, my friend…” – me disse numa manhã de terça-feira, na Avenida Cardoso de Sá, em Petrolina. Sem bíblia nem religião, em cada frase proferida, seguia alimentando a crença de uma peregrinação necessária para redimir os pecados do mundo. “Já estão querendo me apedrejar, porque o diabo sempre se levanta contra quem prega a verdade”, confessava.
Amiúde era visto com o dedo em riste apontado para um lugar impossível e a voz firme erguida em direção ao infinito. Caminhava de um lado para o outro, desafiando transeuntes, motoristas, ciclistas, mendigos e, principalmente, as “verdades” guardadas no fundo de si, como se seus sonhos viessem dos “lugares mais distantes, da terras dos gigantes” de Luiz Melodia.
Acostumado a ser cover de Raul Seixas nas noites em que ganhava a vida nos bares de Petrolina, Maia usava o exemplo de outro ícone do rock, o guitarrista norte-americano Jimi Hendrix, para falar sobre a fugacidade da vida. “Ele conversava com a guitarra porque ele foi predestinado. O homem era um fenômeno, mas morreu. O homem veio do pó e ao pó ele voltará”, profetizava.
Em suas pregações musicais, chegava a comparar os Samaritanos com os Heavy Metals e os Judeus com os Pagodeiros. E assim vivia desafiando os olhares de desprezo, a indiferença e os sorrisos de deboche dos seres “invisíveis” que passavam por ele. Cada pessoa recebia uma atenção especial, como se Maia estivesse eternamente revestido da sempre nova baianidade e, sorrateiramente, soletrasse: “Não se assuste pessoa, se eu lhe disser que a vida é boa”.
Nos palcos da vida, seus rolês eram pura expressividade, entrega, energia, amor: da cabeça aos pés. E demonstravam que o seu valor transcendia as convenções. Seus discursos se conectavam mais à dinâmica social do que as histórias lineares das celebridades sem estrela. Maia, como muitos artistas de Juazeiro e Petrolina, pedia mais do que o mundo oferece. Valia mais “o gosto do que cem mil réis”.
“Lá na rua onde eu moro o povo fala que eu sou muito metido, não falo com ninguém. Não falo com ninguém desse jeito?” – questionava, com um sorriso amplo, mostrando as lacunas de sua dentadura desafortunada. Só economizava palavras para falar de sua vida pessoal, se limitando a dizer que “a família é rica, mas não tem cultura. Se tivesse, já teriam me dado um violão”, explicava, enquanto ria de sua própria conclusão.
E seguia, solitário, sempre rindo e sempre cantando, sempre sério e sempre calado, sempre lindo e sempre, sempre, sempre… Até mesmo na manhã desta quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016, quando, vestido de sua última roupa, foi compor a orquestra de Deus. Para sempre…
Por Luís Osete Carvalho
11 comentários
05 de Feb / 2016 às 23h56
Lindo texto! so quem o conheceu pôde ter o prazer de se maravilhar com o jeito dele de fazer o bem. Fico feliz em saber que muitos de nós achávamos ele estranho ou até de outro mundo, , porém para Deus ele sempre foi o filho perdido. mas quando ele la chegou, teve festa no céu. Quando cantei com ele pela primeira vez, foi no calçadão de assis. na praça da misericórdia. Tempos bons, que não voltam mais. Parabéns pelo seu texto.
06 de Feb / 2016 às 06h50
Grande Maia Me recordo das vezes que iamos para Praça da Catedral eu, ele o Ayti e ficávamos conversando horas e horas . Ninguém dava nada por ele , mais só quem convivia percebia o grande homem que ele era
06 de Feb / 2016 às 07h37
Luís, parabéns pelo texto e pela homenagem. Eu não conheci o Maia, mas depois dessa leitura, sinto o que perdi.
06 de Feb / 2016 às 08h18
ALGUMAS VEZES PARAVA PARA TROCAR UMAS IDÉIAS COM ELE. E SEMPRE EU APRENDIA MAIS UM POUCO COM SUAS PALAVRAS.
06 de Feb / 2016 às 09h54
Belo texto...e apenas 4 comentários! Se fosse um "texto" de um certo professor - conhecido por vomitar palavras que traduzem o nada e nunca chegam a lugar nenhum - teríamos uma centena de comentários tão bobos e rasos como o palavreado do autor. Juazeirinho é a terra do "verniz cultural", definitivamente. Parabéns Luís, apareça mais vezes .
06 de Feb / 2016 às 10h26
Parabéns, conseguiu traduzir de forma sutil e eloquente a figura de Maia, o andarilho solitário das noites. Bela homenagem, mais uma vez parabéns!!!!
06 de Feb / 2016 às 13h32
Ele faleceu de que,pois ele parecia não está doente,
06 de Feb / 2016 às 14h00
Mundo Cão, só se valoriza o caráter e a personalidade de um Homem depois que morre. Como dizia Vicente Celestino " Quero somente que na tumba em que repousar, um ébrio louco como eu, venha depositar..."
06 de Feb / 2016 às 17h18
Ai me vem um tal de Otoniel Godim escrever asneiras se achando um escritor, escritor é esse ai GODIM, aprenda com LUIZ a escrever, ai antes de escrever as suas besteiras, sem fundamento e sem logica.
06 de Feb / 2016 às 19h44
Seu maia nosso jimy cliff que Deus o tenha num bom lugar
07 de Feb / 2016 às 09h36
Poxa, parabéns pelo texto, este expressa parte da personalidade desse bom homem. Mas cá entre nós, porque quase nunca encontramos bons e autênticos poemas como o seu. Cara apareça mais, são talentos como o seu e do seu senhor Maia que o homem racional procura. Mais uma vez, PARABÉNS!