O “novo” é um traço recorrente da política. Ressuscita, sempre, na alvorada das mudanças de governantes. Esconde-se nas moitas das administrações, desaparece na poeira da mesmice, mas volta quando os eleitos ou reeleitos abrem um novo ciclo de vida.
Desde o dia primeiro de janeiro, o “novo” está entronizado nos assentos do poder executivo, onde vencedores dos pleitos prometem uma revolução. Afinal, ninguém quer posar de velho.
Os prefeitos que iniciam o seus mandatos em janeiro de 2025, presidentes em meio de mandato, como Lula, e outros que voltam ao poder, como Donald Trump, nos EUA, começarão a cavalgar na montaria do “novo”. O mantra reaparece: farei grandes mudanças; uma revolução na forma de governar; abrirei uma nova era; é tempo de respirar novos ares. E tome falação.
É interessante observar as razões para o uso tão intenso dessa palavra. O que significaria o “novo” na política? Virar a mesa da mesmice, trazer para o leito da administração novos condimentos, mexer no sistema cognitivo dos eleitores, ao prometer uma Shangri-lá, o paraíso na terra? E é interessante também ver que nós, pobres mortais, acreditamos nessa promessa palanqueira. No fundo de nossas crenças, temos a esperança de que ela nos ofereça o néctar da felicidade.
Lembre-se de que os rótulos perderam o sentido num mundo em que o poder político se despenca no despenhadeiro das coisas desacreditadas, embora consigam ainda mexer com a cognição dos mortais. Vivemos na era do pragmatismo, o ciclo em que os seres decidem de acordo com as demandas satisfeitas. Descortinamos o cenário do que Maurice Duverger chamou de tecnodemocracia, a democracia das vastas organizações econômicas, do gerenciamento burocrático dos técnicos, dos negócios globalizados, dos capitais voláteis, das unidades interdependentes.
É nessa paisagem que se promete implantar a semente do “novo”. Que ganha novas ênfases. Ocorre que este conceito, tão banalizado, nunca deixou de abrigar velhas práticas. Vejam: fazer arranjos nas bases partidárias com o objetivo de garantir emendas constitucionais; abrir o cofre aos políticos para conseguir cooptar apoios; piscar um olho para a direita e outro para a esquerda no esforço de acender uma vela a Deus e outra ao diabo. Isso é coisa d’outrora.
A arte da política na era do “pós-qualquer coisa” coloca o interesse geral como salvaguarda de interesses privados. Como sempre, a locomotiva do dinheiro puxa o trem da política. Tiram um imposto aqui, criam outro acolá. Fazem reforma tributária de araque. Ao final da apuração, vai dar o mesmo prejuízo ao bolso dos consumidores. Proíbe-se uma coisa, libera-se outra. Tudo sob o rótulo do “novo”.
E o que esse “novo” tão festejado e enganador embute? Resposta: aquilo que Duverger chama de “simbiose interburocrática”, a política imbricada à economia, uma geleia geral. Vejam o caso dos nossos partidos. Deveriam representar partes da sociedade. Respirar doutrina, ideologia. Pergunta-se: qual o oxigênio que os alimenta? Até o velho PT de guerra, de nítidas feições, tornou-se um Frankenstein mal-ajambrado. A banalização da atividade partidária sonoriza os palanques na era do “novo”.
O arrefecimento ideológico, o declínio dos entes partidários, dos parlamentos, da democracia atomizada, que se espraiam desde o século 19, explicam porque os governantes se esforçam para explicar que são inovadores, cumpridores de palavras e não vendedores de ilusões e utopias. Trump, nos EUA, está prometendo inovar com Elon Musk, o empresário mais rico do mundo, dando a ele um tal de Departamento da Eficiência. Os negócios de Musk se cruzam com os contratos de suas empresas com o governo americano.
Tocar o que for possível, sem fazer milagres, canalizar os interesses grupais, dar uma no cravo, outra na ferradura – é a velha receita dos “tempos novos”. Estão aí as reformas possíveis, na forma de arremedos de mudanças. Se não forem suficientes, paciência (palavra que muitos gostam de usar), elas representam o caldo das possibilidades.
A receita, prega Lula, é a redistribuição de riquezas. O que significa continuar com os pacotes assistencialistas. Cortar despesas, como defendem os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, é um Deus-nos-acuda. Luiz Inácio, em seu Lula III, quer repetir o Lula I.
E assim enterramos o “novo” do caixão do velho.
Por Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
Jornal da Usp
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