Artigo - O vício em tecnologia é real

De acordo com Luli Radfahrer, a tecnologia foi projetada para prender a atenção, por isso a necessidade de criar hábitos de consumo conscientes. Confira:

Em sua última edição do ano, a coluna Datacracia é toda dedicada ao vício em tecnologia, uma coisa real, garante o professor Luli Radfahrer, a ponto de ele dizer que muita gente sofre de síndrome de abstinência quando passa muito tempo desconectada. 

“A gente fala que você tem três chaves de casa: a chave, o cartão do banco e o telefone. Se você esqueceu a chave, você fica incomodado, se você esqueceu o cartão do banco, você fica incomodado e pede favor, se você esqueceu o telefone, você volta para casa. Mídia social então, em particular, pode contribuir com sentimento de inadequação, solidão, baixa autoestima, porque eu fico me comparando o tempo todo com todo mundo.”  Um dos efeitos mais visíveis dessa dependência, lembra Radfahrer, é o comprometimento do sono. Tanto que ele dá uma dica: entrar no quarto sem o telefone.

 “O comportamento da rede social é de te mostrar coisas que te atraem. Aquilo que vai te atrair, vai te despertar e, portanto, você vai ficar olhando de novo, olhando de novo, olhando de novo e demorando para ver, ou então você vai ver uma Netflix, uma coisa do gênero, que também foi construído para prender a sua atenção, isso sem contar que, para o telefone mostrar direito as cores, ele precisa estar com luz branca, luz branca é a luz do meio-dia, então, inconscientemente, o seu cérebro também vai achar que é meio-dia.”

E tem mais um detalhe, não menos importante: hoje as plataformas digitais são projetadas para incentivar essa dependência. “Elas são intencionalmente projetadas para capturar e manter a atenção – por exemplo, essa ideia da rolagem infinita, que eu estou lendo um negócio e de repente eu puxo para ver de novo, ela foi copiada de cassino, esse ciclo de recompensa, engajamento, recompensa, engajamento foi testado com animal. Quer dizer, se eu sempre te dou um prêmio, você sabe quando tem um prêmio e quando não tem um prêmio; agora, se você faz um comportamento, às vezes eu te dou um prêmio, as vezes eu não te dou um prêmio, aí você vai ficar preso nisso.” 

Como a tecnologia foi projetada para prender a atenção, é preciso, diz o colunista, começar a criar hábitos de consumo conscientes. De outro lado, é necessário “martelar” na regulação de redes sociais, “mas mesmo que a rede social não traga nenhuma fake news, não traga nenhum problema de polarização, ela ainda vai mostrar alguém fazendo motocross, alguém pulando de bungee jump e vai te mostrar alguma coisa emocionante, porque é a mesma estratégia da televisão, que é super-regulada. Então, o que a gente precisa fazer? A gente precisa entender que aquilo ali é muito legal, mas tem hora para aquilo. 

A gente precisa aplicar para cima da gente aquilo que a gente aplica para criança e adolescente. Olha, agora é hora de dormir […] mídia social é a mesma coisa, comece a se prevenir e você vai conseguir ter uma vida muito mais saudável e um consumo, mas um consumo razoável”, conclui.

Luli Radfahrer-Professor de Comunicação Digital da Escola de Comunicações e Artes da USP. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do País.

Jornal da Usp