A Função social da terra prevista no artigo 186 da Constituição Federal do Brasil estabelece que ela é exercida quando a propriedade atende a determinados requisitos, como: "aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais, preservação do meio ambiente, observância da legislação trabalhista, exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores".
Dessa forma, se a propriedade rural não atender esses requisitos, compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, como expresso no parágrafo 1º do Art.2º da Lei nº 8.629, de 1993, que regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária.
Recentemente, no dia 26 de novembro, foi aprovada a urgência do Projeto de Lei (PL) 4.357 de 2023. A votação teve o apoio de 290 deputados federais, que defendem a retirada da expressão "função social da terra".
Ao retirar essa expressão, se cria uma brecha normativa, com a intenção de burlar a Constituição, para estabelecer, conforme descrito no projeto, que "não será possível a desapropriação por interesse social, para fim da reforma agrária a propriedade produtiva que não cumprir sua função social de terras produtivas".
As representações que elegemos para ocupar o poder Legislativo na Câmara e Senado, têm papel fundamental na elaboração e aprovação de leis que impactam diretamente a sociedade. Atualmente, impulsionada pela extrema direita, a bancada ruralista que defende os direitos dos grandes proprietários de terra e o agronegócio age contra as comunidades rurais, movimentos sociais populares e o Bem Viver dos povos.
É essa mesma bancada que defende a Lei 14.785/2023, conhecida como "PL do Veneno", visando afrouxar as regras de uso dos agrotóxicos; e ainda possibilita a retirada da autoridade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nas decisões relativas a agrotóxicos, e concede poder absoluto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para aprovar as substâncias. Além do marco temporal das terras indígenas, que aumenta a dificuldade do Estado brasileiro em realizar a demarcação de terra indígena e ocupação tradicional,
A quem interessa acabar com a função social da terra?
O projeto de lei que propõe o fim da "função social da terra" é de autoria de Rodolfo Nogueira (PL). Deputados do PL, PP, PSD, Cidadania, Republicanos e União Brasil apoiaram o pedido de urgência, tal como o atual presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), Evair Vieira de Melo (PP-ES).
Em defesa da proposta, Rodolfo Nogueira cita que a desapropriação em razão do não cumprimento da função social da terra, pode causar diminuição da produção agrícola, com impacto negativo na economia brasileira e na segurança alimentar da população. No entanto, é preciso lembrar que a produção agrícola citada se refere às grandes empresas do agronegócio, além da exploração da natureza e ser grande causadora da degradação ambiental, em nada contribuem para a segurança alimentar e nutricional da população, uma vez que a maior parcela da produção é destinada à exportação.
O deputado também argumenta que com a mudança para "a desapropriação de terras produtivas", que não cumprem a função social da terra, é que isso "pode provocar conflitos sociais, uma vez que os proprietários dessas terras se sentirão prejudicados". E "esses conflitos podem levar à violência e à instabilidade social". Essas falas refletem a tentativa de deslegitimar a luta pela Reforma Agrária, que busca melhor distribuição da terra, visando atender aos princípios de justiça social e aumento de produtividade. Distribuição que se faz mediante modificações no regime de posse e uso, o que afeta os grandes proprietários e empresários do agronegócio e do setor de energias renováveis.
Projetos como esse ferem a Constituição Federal, os movimentos sociais populares e a luta dos povos por uma vida digna, com os direitos básicos respeitados, inclusive o direito à terra como garante a nossa Lei Maior. Também são decisões parlamentares que nada dialogam com a proposta de Convivência com o Semiárido, Agroecologia e Bem Viver. Por isso, as redes de entidades, movimentos sociais populares e instituições não governamentais repudiam mais essa tentativa, que se mostra inconstitucional, de negar e impedir a Reforma Agrária no país e convocam manifestações e mobilizações contrárias à essa aprovação.
Assinam essa publicação, em ordem alfabética:
Articulação de Fundo e Fecho de Pasto
Articulação Semiárido Brasileiro
Rede Ater Nordeste de Agroecologia
Ascom
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