Artigo: os ruídos do horário eleitoral e votos que vão além das questões municipais

Poucas coisas são tão irritantes quanto a ultra veloz, quase incompreensível, leitura das siglas dos partidos que apoiam um determinado candidato a vereador no horário gratuito de rádio. Aglomeram-se as siglas numa leitura hipersônica ao fim de cada mensagem dos candidatos, produzindo-se um blá, blá, blá que mais parece um brrrrr… Consequência, enfim, da atual super proliferação de legendas partidárias permitida pela Constituição de 1988, fruto da sede de liberdade de quem saia das amarras do regime militar.

Liberdade esta que desbancou a tradição das siglas partidárias pré-1964 de se definirem entre esquerda, centro e direita, com poucas variações provocadas por ambições pessoais, que ofereciam aos eleitores campos mais claros para as suas escolhas. Atualmente, há uma quase infinita variedade de siglas, em que poucas têm uma proposta política e ideológica clara, criadas para capturar os cada vez maiores recursos orçamentários para as eleições, permanentemente aumentados por congressistas ávidos em lançar mão, para esse fim, dos fundos partidários sempre elevados a cada pleito.

Chama a atenção, também, o fato de o horário eleitoral gratuito limitar-se à televisão aberta e ao rádio, quando as redes sociais, isentas dessa obrigação, ocupam lugar de muito maior destaque na comunicação dentro da sociedade. E é nestas, com bem menos regulamentações, que prolifera a propaganda eleitoral livre, leve e solta, o que abre enorme espaço para as fake news de todos os quilates. É bom lembrar que as redes sociais, embora de alcance universal, são usadas muito mais pelos jovens que, ao chegarem à idade de votar, ainda carecem de uma formação política que os possibilite identificar a seriedade, até mesmo a veracidade, das mensagens que recebem. Fica a questão: como sintonizar a propaganda eleitoral com a evolução da comunicação?

Sabemos que as eleições municipais, de vereadores e prefeitos, formarão as bases político-partidárias em que se apoiarão as coligações que vão eleger deputados estaduais, governadores, congressistas e o presidente da República daqui a dois anos. Portanto, nossos votos vão além das questões municipais urbanísticas, de saúde e educação, só para citar algumas. Vão formar as bases sobre as quais vão se dar as disputas de 2026, inclusive a do futuro ocupante dos Palácios da Alvorada e do Planalto. Ou seja, votando nos problemas de nossa esquina estamos construindo o voto para as questões que influenciam os destinos do Brasil.

Quando eu era aluno da Escola Politécnica (curso não concluído) no fim dos anos 1960, começo dos 1970 do século passado, nas assembleias estudantis lá realizadas havia colegas que começavam seus discursos criticando o ensino da matéria Mecânica dos Fluídos (a terrível Mec-Flu) e os acabava criticando a atuação do “imperialismo norte-americano no país”. Um longo e tortuoso caminho.

Mas vou percorrer caminho semelhante neste artigo ao lembrar que, logo depois das nossas eleições municipais, vamos assistir de camarote às eleições presidenciais e de uma parte do Congresso dos Estados Unidos. Sim, de camarote, mas o resultado desse pleito que ocorrerá em novembro próximo, também impactará, direta ou indiretamente o nosso país, principalmente em função das consequências que provocará em nosso conflitado mundo. Basta ver o que está ocorrendo no Oriente Médio e na fronteira da Ucrânia com a Rússia. Dois embates nos quais os EUA têm forte influência, atualmente mais como mediador diplomático e fornecedor de armas para um dos lados (Ucrânia e Israel) do que com participação direta in the ground.

Não são tempos fáceis (e quando foram?), pois há muita coisa em jogo, tanto cá como lá. E conforme a inclinação das forças políticas em qualquer dessas disputas virão tempos mais amenos (nunca totalmente bons) ou mais pesados nos próximos anos.

Torçamos para que sejam, pelo menos, mais amenos.

Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

Jornal da USP