Em maio de 2009, o estado de São Paulo deu um passo decisivo na proteção da população dos riscos relacionados ao uso e à exposição passiva ao tabaco com a promulgação da Lei Antifumo.
Essa legislação pioneira, que proíbe o uso de cigarros e outros produtos fumígenos em ambientes fechados de uso coletivo, completa 15 anos em 2024 e, há 10 anos, inspirou a criação da Lei Nacional Antifumo, que substituiu a lei de 1996.
Nestes 15 anos, a lei trouxe benefícios significativos tanto para fumantes quanto para não fumantes, além de influenciar políticas de saúde pública em todo o Brasil.
Desde antes da implementação da Lei Antifumo, mas também influenciada por ela e pela replicação desse modelo em outros estados, a prevalência do tabagismo tem diminuído de forma consistente no país. Segundo dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), o consumo do tabaco entre adultos no Brasil caiu de 14,3% em 2009 para 9,3% em 2023.
O declínio na proporção de fumantes não é o único benefício observado. Estudos demonstram que a lei também protege a saúde dos não fumantes, ao reduzir a exposição ao fumo passivo. Uma pesquisa realizada pelo Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP demonstrou redução de 12% nas mortes por infarto na cidade de São Paulo nos meses subsequentes ao início da vigência da lei. Isso reflete os impactos positivos imediatos da redução do fumo em ambientes fechados sobre a saúde cardiovascular da população. Entre 2009 e 2023, a porcentagem de adultos expostos passivamente ao tabaco no ambiente de trabalho foi reduzida de 12% para 7,3%.
Mas se em 2009 a batalha era contra o cigarro, atualmente os desafios são mais complexos. Temos agora o uso crescente dos dispositivos eletrônicos para fumar — os vapes, especialmente desenvolvidos para atrair adolescentes à experimentação e dependência da nicotina. Eles são promovidos como alternativas mais seguras aos cigarros tradicionais, mesmo já se sabendo que estão relacionados aos mesmos riscos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, respiratórias e metabólicas que os cigarros de tabaco queimado. Se nos adultos o uso diário ou ocasional desses cigarros eletrônicos oscila por volta dos 2,3%, no estrato mais jovem da população esse número quase triplica. Entre jovens de 18 a 24 anos, 6,6% usam cigarros eletrônicos diariamente, e entre adolescentes em idade escolar das diversas regiões do Brasil de 13 a 17 anos, de 10% a 24% afirmam já terem pelo menos experimentado os e-cigs.
Nesse cenário mais contemporâneo de redução do consumo de cigarros, o lobby da indústria do tabaco busca manter e ampliar seu mercado por meio da liberação da fabricação e comercialização dos cigarros eletrônicos e cigarros aquecidos no Brasil. Sob a cortina de fumaça de que regulamentando teríamos maior controle, iniciativas como o Projeto de Lei 5.008/2023 avançam sobre a atribuição constitucional da Anvisa e dispõem-se a tratar da produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e, claro, da propaganda dos cigarros eletrônicos no Brasil.
Sabendo que os dispositivos eletrônicos para fumar provocam dependência, adoecimento e óbitos da mesma forma que cigarros convencionais e que, assim sendo, custariam aos cofres públicos em gastos diretos com saúde ao menos o triplo do que arrecadariam em impostos (sem contar custos indiretos de perda de produtividade e contribuição, além de custos previdenciários por afastamento e aposentadoria precoce), fica a pergunta, talvez puramente retórica: a quem mais, além dos fabricantes, interessa uma lei como essa?
Para proteger esse público-alvo da indústria do cigarro eletrônico, neste ano o tema da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Dia Mundial Sem Tabaco é Jovens entram em cena e falam. A organização quer instigar adolescentes a exigir dos poderes públicos a proteção contra as táticas predatórias do marketing da indústria do tabaco. A estimativa é de que 37 milhões de jovens entre 13 e 15 anos consumam tabaco, e a nova porta de entrada para o fumo nesse público é o cigarro eletrônico.
A Lei Antifumo e a Lei Nacional são exemplos de sucesso na luta contra o tabagismo, com impactos positivos claros na saúde da população. No entanto, a batalha está longe de terminar. Com o surgimento de novos produtos e estratégias da indústria do tabaco, é essencial continuar vigilante e adaptar as políticas de controle do tabagismo às novas realidades.
A resolução n° 855/2024 da Anvisa, que reitera a norma vigente de 2009 mantendo a proibição à comercialização, importação e propaganda dos dispositivos eletrônicos para fumar, é uma resposta do órgão federal, "que tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população" (artigo 6º do parágrafo único da Leiº 9.782, de 26/01/1999), reafirma o compromisso do Brasil em enfrentar a pandemia do tabagismo e dos cigarros eletrônicos e reforça o protagonismo do nosso país no combate à maior causa evitável de adoecimento e mortes no mundo.
Gustavo Faibischew Prado - Médico Pneumologista, coordenador da Pneumologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e da Comissão de Câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
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