Em manuais de jornalismo, a objetividade e a isenção dos jornalistas são aconselhadas fortemente. No manual de redação do Estado de São Paulo, de 1997, consta, já no primeiro capítulo, a sugestão do repórter ser objetivo e isento, pois seu papel é de mediação da realidade dos fatos com o leitor. No entanto, como ser isento quando o mundo se aproxima de seu colapso pelas próprias ações humanas?
Como não se posicionar diante da destruição, da ganância, das desigualdades e injustiças? Passados quase 30 anos da publicação do guia, veículos hegemônicos ainda corroboram para a visão de que o jornalista deve se manter neutro perante a realidade que se desenrola sobre ele – como se isso fosse possível.
A ideia da objetividade já é questionada por muitos profissionais e pesquisadores, como é o caso de Fabiana Moraes e Márcia da Silva. No artigo “A objetividade jornalística tem raça e gênero: a subjetividade como estratégia descolonizadora”, as autoras discutem que essa suposta objetividade do jornalismo está ancorada em ideias patriarcais, capitalistas, ocidentais e voltadas para os ideais da Modernidade. Tais marcos atravessam a forma como nos relacionamos com a natureza, acarretando injustiças ambientais que se perpetuam até hoje.
O jornalismo ambiental, desde seus primórdios, coloca em xeque o debate sobre o desenvolvimento, fundamentado em visões de mundo orientadas para o crescimento ilimitado. Um de seus pressupostos é justamente a responsabilidade com a mudança desse pensamento. Desta forma, a posição do repórter é considerada; ele não é aquele profissional que apenas retrata um fato, mas contextualiza, problematiza e permite que mais pessoas desconstruam discursos que sustentam um modo de vida insustentável. A responsabilidade com a mudança de mentalidade envolve uma prática jornalística engajada, porém que ainda emerge nas brechas do sistema tradicional.
No artigo “O ativismo no jornalismo ambiental: como quatro momentos-chaves ajudaram a configurar uma prática engajada no Brasil”, pesquisadores do Grupo de Pesquisa de Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) evidenciam como o jornalismo ambiental foi pioneiro em desafiar a suposta objetividade e neutralidade – vinculada aos interesses dos grupos hegemônicos – em defesa do meio ambiente. Os autores traçam quatro marcos temporais que auxiliaram na difusão das práticas do jornalismo ambiental brasileiro e na consolidação da área, assumida como ativista, militante ou engajada desde seu surgimento.
No primeiro momento, houve a ambientalização da sociedade brasileira. A eclosão de movimentos ambientalistas no final da ditadura militar, a proximidade dos repórteres com cientistas e a criação da Política Nacional do Meio Ambiente (lei nº 6.938/81) pelo governo federal foram elementos que fomentaram o interesse pela cobertura ambiental. A presença de fontes validadas pela comunidade científica foi uma das estratégias utilizadas pelos jornalistas para aumentar a credibilidade sobre o tema.
Já nos anos 1990, a conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi um marco para o jornalismo ambiental brasileiro. A Rio-92 colocou em evidência o debate ambiental no campo jornalístico. Nessa época, dois termos foram usados para designar a ação dos repórteres em prol do meio ambiente: jornalistas ambientais e ecojornalistas. Este é associado com um jornalismo de compromisso, luta, militância, dentre outros termos engajados, enquanto aquele mantém um sentido mais próximo ao do jornalismo científico. Jornalista ambiental é o termo mais utilizado no Brasil para designar os profissionais da imprensa que cobrem de forma sistemática o ambiente, com diferentes graus de comprometimento com a pauta. Já a expressão “jornalista ecológico” costuma designar proximidade com os movimentos ecológicos, tendo ganhado notoriedade após a criação de Núcleos de Ecojornalistas.
Após esse momento, há a eclosão de um novo ecossistema midiático com foco em meio ambiente, com a popularização da internet e de novas formas de jornalismo alternativo e/ou especializado. Novos portais e sites de notícias rompem com a dependência de grandes grupos para a produção jornalística, possibilitando mais posicionamentos explícitos em favor do cuidado ambiental. Por fim, a emergência climática mobiliza atores locais e globais tanto pela urgência de seus impactos como pela necessária mudança de hábitos de consumo. A visibilidade midiática alcançada, sobretudo, pelos efeitos das mudanças climáticas, sinaliza um novo olhar sobre a relevância do jornalismo ambiental.
A emergência climática escancara a necessidade de não mascarar a subjetividade e, indo além, mobilizar os públicos para o enfrentamento do problema. Os efeitos da crise do clima são sentidos por todas as pessoas – mesmo que com condições diferentes de resposta. O ativismo do jornalismo ambiental é necessário para combater as injustiças ambientais que afetam as populações vulnerabilizadas e permitir que possamos ter uma perspectiva de futuro diferente daquela que originou a ameaça de colapso.
Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental Isabelle Rieger e Eloisa Beling Loose
Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental Isabelle Rieger e Eloisa Beling Loose
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