O uso da inteligência artificial nas propagandas eleitorais terá regras a serem propostas pelo Tribunal Superior Eleitoral e discutidas em audiência pública ainda nesta semana pelo plenário da Corte. Na minuta, o Tribunal sugere proibir conteúdo fabricado com IA e penalizar casos de divulgação de fatos inverídicos ou descontextualizados.
O professor Juliano Maranhão, do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo, desenvolve sobre regras da inteligência artificial no contexto das campanhas eleitorais. Ele discorre que, apesar da minuta ser grande, em torno de 150 páginas, as regras referentes ao uso da IA estão em poucos artigos e são destacadas duas preocupações.
De acordo com o especialista, os deepfakes, manipulação de áudios e vídeos que objetivam distorcer a realidade, são uma das preocupações, visto que são capazes de forjar escândalos próximos das eleições, o que pode criar um desequilíbrio em candidaturas que são disputadas. “A segunda preocupação diz respeito ao direcionamento de conteúdo personalizado, que também pode persuadir eleitores, principalmente quando é acompanhado de desinformação”, afirma.
Segundo Maranhão, a abordagem da minuta é adequada, uma vez que ela não coloca restrições propriamente ao uso da inteligência artificial, apenas proíbe a distorção do conteúdo divulgado. Além disso, são colocadas regras de transparência para todo o uso dessa tecnologia.
O professor ressalta: “Eu tenho visto um alarme generalizado, que pode ser contraproducente contra a inteligência artificial em geral. Isso pode trazer a impressão de que todo o conteúdo gerado por ela é malicioso, quando não é verdade”. Conforme Maranhão, deve ocorrer um uso generalizado da IA, mas legítimo, que consiga aumentar a fluidez do discurso, adicionar um filtro de imagem ou apenas reduzir os custos da campanha, o que pode ser democrático.
Tendo em vista a medida da transparência, que objetiva a obrigação do uso de um identificador em todo o conteúdo gerado pela tecnologia, o docente explica que pode haver um alarme geral, no sentido de que toda a utilização da IA seja negativa. “Isso pode trazer um ambiente em que candidatos oportunistas, às vezes com notícias verdadeiras trazidas pela imprensa, podem dizer que tal informação é fake news. Um ambiente de total descontrole do eleitor ou da sociedade, com falta de referência, é perigoso para as eleições, que podem tornar tudo uma grande loteria”, expõe o especialista.
Segurança jurídica-De acordo com Juliano Maranhão, a reação do TSE deve ser veloz e efetiva, visto que o período eleitoral é curto e a ferramenta de dissuasão do Direito é a imposição de penas àqueles candidatos e partidos que se utilizarem de um conteúdo abusivo. Contudo, ele explica que a punição pode ocorrer depois, após as consequências desse uso mal-intencionado, porque a divulgação dessas notícias falsas não é feita diretamente pelo candidato, e sim por terceiros — isso dificulta a detecção do indivíduo e não permite uma reação rápida.
Diante desse cenário, o professor ressalta a importância do convencimento do leitor, realizado por uma parceria entre agências de checagem de fatos, grandes plataformas digitais, o TSE e a imprensa, que buscam corrigir a informação e alertar a esfera pública. Segundo ele, o papel da mídia é esclarecer sobre esse tipo de manipulação e seus riscos, para que o eleitor se torne mais cauteloso quando diante de um conteúdo falso e busque confirmar a veracidade da informação antes de compartilhá-la.
“Isso é importante tanto do ponto de vista de trazer a verdade, mas também do cuidado para não repercutir e ampliar o escândalo em relação a notícias criadas por fake news.” Ele complementa ao dizer que é fundamental que a imprensa conscientize a população acerca dos marcadores do uso de IA nos conteúdos, alertando que isso não está ligado diretamente a informações falsas. E finaliza: “Se o conteúdo de inteligência artificial é fantástico, merece um cuidado maior, uma checagem, ao buscar as agências de checagem para verificar se aquele conteúdo efetivamente corresponde à realidade”.
Jornal da USP
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