Com duplo rebaixamento na Série B, região Nordeste terá apenas 6 representantes nas duas principais divisões em 2024; nenhum nordestino conquistou o acesso na Série C. Comentário do jornalista e pesquisador de futebol Irlan Simões aponta o que tem acontecido no futebol nordestino nas últimas décadas, especialmente diante da existência de um torneio como a Copa do Nordeste – que gerou muito otimismo, mas não parece estar dando fôlego financeiro suficiente.
Confira: A Série B de 2023 se encerrou e com ela veio o rebaixamento do Sampaio Corrêa, em pleno centenário, na última rodada. O clube maranhense juntou-se ao potiguar ABC, rebaixado precocemente, na lista de 8 clubes nordestinos que jogarão a Série C em 2024. Na parte de cima da tabela da segundona, Sport, CRB e Ceará fracassaram na luta pelo acesso e apenas o Vitória, campeão do certame, se garantiu na elite no ano que vem.
O rubro-negro baiano agora aguarda a definição da Série A para saber a quais rivais fará companhia em 2024: o Bahia, que se encontra no bolo dos seis clubes seriamente ameaçados pela última vaga do rebaixamento, e/ou Fortaleza, em situação um pouco menos desconfortável na tabela.
Independente do que ocorra, o fato é que em 2024 serão apenas 6 clubes do Nordeste entre a Série A e a Série B, o recorde negativo da região desde que o sistema de pontos corridos foi implantado em 2003 (que começou com 24 clubes na elite).
Um bom momento para analisar o que tem acontecido no futebol nordestino nas últimas décadas, especialmente diante da existência de um torneio como a Copa do Nordeste – que gerou muito otimismo, mas não parece estar dando fôlego financeiro suficiente.
Menor soma desde 2003
Além de ABC e Sampaio, também estarão na Série C 2024 os cearenses Floresta e Ferroviário, o sergipano Confiança e os paraibanos Botafogo e Treze. Em 2023, caíram para a quarta divisão o potiguar América e o piauiense Altos.
Nos 21 anos anteriores, o número mais comum na “soma A+B” foi de 9 clubes, repetido em oito ocasiões, sendo a última vez em 2015. De lá para cá, a soma mais comum é de 8 clubes, o que já aconteceu sete vezes desde 2003.
Em três ocasiões, apenas 7 clubes jogaram juntos as duas principais divisões, número que até então representava o recorde negativo da região – agora superado. O recorde positivo também aconteceu por três vezes (em anos mais recentes), com 10 clubes compondo a “soma A+B”.
O acesso do Vitória – junto à impossibilidade de queda conjunta de Bahia e Fortaleza – impedirá que o ano de 2024 repita a pior marca do Nordeste na Série A, quando a região esteve representada por apenas um clube: Vitória (2004), Fortaleza (2005) e Sport (2015) impediram que a Série A acontecesse sem nordestinos no passado.
Em 2018, quatro clubes do Nordeste jogaram juntos na elite, algo que até então era inédito. Esse recorde positivo se manteve quatro temporadas consecutivas. Isso se deu especialmente pela boa fase dos clubes cearenses e do Bahia – e foi muito creditado à Copa do Nordeste, algo que será discutido mais adiante.
Como apenas 12 dos 20 clubes da Série B não trocam de divisão, parece óbvio afirmar que o quadro de participantes nesse nível sofre alterações drásticas com frequência. Em 2016, foram três clubes a menos do que no ano anterior (com aumento na Série A); enquanto em 2020 foram três clubes a mais (sem aumento na Série A).
Com tanta troca de divisão, a fluidez desses números é absolutamente natural. O que mais pesou para o cenário de 2024 foi a ausência de "compensação": como nenhum nordestino subiu da Série C em 2023, os rebaixamentos da Série B não foram supridos, como era comum acontecer em tempos passados.
Gargalo da Série C
Nas últimas 10 edições da Série C, a ausência total de nordestinos entre os promovidos aconteceu em cinco ocasiões – sendo três delas nos últimos quatro anos. Esse fracasso no terceiro escalão é um fator crucial: nas últimas dez edições, foram 15 rebaixamentos nordestinos da B para a C; “compensados” por apenas 10 acessos nordestinos da C para a B.
Entretanto, comparando com épocas anteriores, o cenário geral não é totalmente absurdo. Com a exceção do Náutico, que caiu em 2022 e não subiu da C nesse ano, os atuais integrantes da “soma A+B” são basicamente os mesmos de todos os anos, sem os convencionais "agregados" – esses que não se mantém na Série B por muito tempo.
Os 6 clubes atuais também são os clubes mais "frequentes" desde 2003: os baianos Bahia e Vitória; o alagoano CRB; o pernambucano Sport; e os cearenses Ceará e Fortaleza (embora o Tricolor do Pici tenha passado oito anos seguidos na Série C). O Náutico seria o sétimo de "grande frequência", apesar de jogar ano que vem a quarta Série C em sete anos.
De forma alternada e sem grande constância no segundo escalão, os seguintes clubes foram "agregados" em uma ou mais ocasiões (entre parênteses a última vez na Série B): Icasa (2014), América (2014), Santa Cruz (2017), Confiança (2021) e CSA (2022). Nos anos anteriores também estiveram no papel de “agregados” Campinense (2008), Salgueiro (2011) e ASA (2013).
A exceção aos 7 "frequentes" e aos demais "agregados" é o Sampaio Corrêa, que passou a ter presença constante na Série B a partir de 2014, mas que não esteve presente nenhuma vez antes disso. A Bolívia Querida disputou oito das últimas dez edições da Série B, agora voltou a cair.
Enquanto os números foram positivos, diversas leituras creditaram os logros à Copa do Nordeste. Agora que o cenário é bem diferente, talvez seja o caso de pensar a partir da mesma questão. Retomada em 2013 e disputada de forma ininterrupta até então, a competição regional sofreu diversas alterações, crises, retomadas, divergências, rachas e disputas fratricidas.
Efeito Copa do Nordeste?
Os resultados financeiros do Nordestão, apesar dos alardeados aumentos consecutivos das cifras, estiveram muito aquém do desejado ao longo desses dez anos. A competição ainda tem grande dificuldade de projeção nacional por conta das próprias escolhas, sofrendo com baixa visibilidade midiática, apesar do imenso potencial de público e de apelo comercial.
Resgatada para fortalecer o futebol do Nordeste, especialmente para dar fôlego financeiro no início da temporada, a expectativa geral era que o torneio viabilizasse maior competitividade dos clubes locais contra adversários de estados mais ricos, principalmente contra os pequenos clubes de São Paulo.
Com orçamentos inflados com as cotas televisivas do Campeonato Paulista, através da relação com empresários locais (internos e externos ao futebol) e, em alguns casos, com relações íntimas com prefeituras de ocasião, há um grande número de pequenos clubes paulistas entre a Série C e B ocupando espaços valiosos de clubes do Nordeste (e do Norte) com grande massa torcedora.
Onze edições depois, o entendimento sobre o "efeito Copa do Nordeste" ainda é muito controverso. Clubes acostumados a jogar a Série A reclamam que os valores recebidos são muito baixos. Do outro lado, clubes da Série C e Série D no Nordestão uma receita inestimável para entrar na disputa nacional, quando conseguiam a classificação através do campeonato estadual.
As duas perspectivas são absolutamente reais. Para o parâmetro da elite nacional, os valores seguem insuficientes, porque chegam a ser menores do que os recebidos por pequenos clubes paulistas no estadual. Para os clubes menores, as seguidas alterações de regulamento e divisão de receita, realizadas para agradar os grandes, acabou diminuindo o que já era resumido.
O Nordestão não surtiu grande efeito para os grandes orçamentos e, remendado, prejudicou os pequenos orçamentos, porque ignorou que a questão ainda era de "escala". Um acréscimo de R$ 1 milhão na Série A é pouco impactante, mas o mesmo acréscimo na Série C é garantia de pagamento de salários durante boa parte da competição.
E aí entra o grande problema: os clubes autorizados a participar da grande competição regional do país (ao menos para as divisões inferiores) não são selecionados de acordo com seu desempenho em nível nacional, mas pela posição no campeonato estadual. Em várias ocasiões, clubes relevantes precisaram preterir jogos do estadual por estarem em fases avançadas da Copa do Nordeste, sacrificando assim a classificação para a temporada seguinte (uma alteração recente garantiu vaga via ranking a alguns privilegiados).
Por se dar via campeonato estadual, diversas edições da Copa do Nordeste foram realizadas sem clubes posicionados nas principais divisões nacionais. No caso daqueles que disputavam a Série C, essa lógica é duplamente incompreensível: tira do certame regional clubes mais qualificados, montados para desafios nacionais maiores, ao mesmo tempo em que impede que esses mesmos clubes tenham acesso a uma receita importante para o certame nacional em questão.
Essa é a melhor forma de compreender o "Gargalo da Série C" mencionado anteriormente. Enquanto basicamente não causa grande impacto financeiro para quem joga uma Série A, enquanto talvez ajude na montagem antecipada do elenco para uma Série B, a Copa do Nordeste também poderia ser um fator crucial para aqueles clubes que buscam o acesso na Série C. Mas não tem sido.
A saída mais óbvia seria desgarrar a Copa do Nordeste do critério de classificação estadual, estabelecer divisões inferiores, garantir maior estabilidade dos participantes e potencializar a sua função primordial: o fortalecimento dos clubes nordestinos no cenário nacional. Uma coisa deveria alimentar a outra, mas por razões políticas (bem pouco óbvias), há desperdício de recursos e oportunidades.
Globo Esporte/Blog Irlan Simões
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