A REDEGN, percorreu cerca de 370 km, entre o Juazeiro do Norte, Ceará, a Juazeiro da Bahia. A constatação é de uma seca severa, retratada nas folhas ressequidas pelos sertões. Na beira da estrada os animais vivos mugem quando encontram outros de menos sorte, já mortos pela falta de água para beber. A cena é de urubus nas carcaças.
"Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas". (Raquel de Queiroz)
"No Nordeste imenso, quando o Sol calcina a terra
Não se vê uma folha verde na baixa ou na serra
Juriti não suspira, inhambu seu canto encerra...
Acauã, bem no alto do pau-ferro, canta forte
Como que reclamando sua falta de sorte
Asa branca, sedenta, vai chegando na bebida
Não tem água a lagoa, já está ressequida
E o Sol vai queimando o brejo, o sertão, cariri e agreste
Ai, ai, meu Deus, tenha pena do Nordeste. (Rosil Cavalcanti)
A poesia do pernambucano Rosil Cavalcanti, interpretada na voz de Luiz Gonzaga e a frase da escritora Raquel de Queiroz, no Livro O Quinze se fazem mais uma vez real no cenário da falta de cjhuvas e a seca que maltrata os menos favorecidos socialmente neste século 21.
Na terra do Padim Ciço, romeiros dos sertões de Alagoas, Bahia, Piauí, Paraíba, pagam suas promessoas, renovam a fé e revelam que "é uma seca verde que castiga, falta água e existe o ronco dos motores dos carros pipas que fazem a maquiagem da falta de políticas públicas". O agricultor Severino José, diz que "só resta um pouco de água em sua cisterna".
"Meu filho a água acaba antes de dezembro", diz olhando a imagem do Padre Cícero Romão Batista.
Na Bahia, devido às chuvas abaixo da média nos últimos meses, houve o avanço da seca. Os dados é do Monitos das secas, mês julho e agosto.
A REDEGN obteve a informação através do site de Meteorologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco, que o dia 06 de março, registrou o dia mais quente deste ano, até o momento, marcou 38.1 graus centigrados em Juazeiro. Em Petrolina 37,5 graus no dia 27 de agosto.
A umidade relativa do ar atingiu valores extremos, no dia 27 de agosto foi de 10% e no dia 26 de maio em Juazeiro, 12%. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a umidade relativa do ar ideal para saúde é entre 50% e 80% – por isso quando o nível fica entre 20% e 30% as regiões entram em estado de atenção.
A umidade do ar a 10%, por exemplo, é um nível compatível com o do Deserto do Saara, por exemplo. O impacto dessa condição é sentido pelas populações urbanas e rurais, nesse caso, mais especificamente as plantas.
O professor doutor Mário Miranda cita que "na zona rural a vegetação perde a folhagem e o calor atinge 65 graus em terrenos arenosos". Na zona urbana o asfalto é um aliado para as elevadas sensações térmicas e que por conta disso entre 12h e 14h, a temperatura pode chegar próximo de 70º graus centigrados.
CARROS PIPAS: A seca é severa. Os problemas continuam sendo resolvidos através dos carros pipas. Falta uma política hidríca que faça o homem conviver com a seca.
Em pleno século XXI, a industria do carro pipa continua alimentando o Nordeste, desafiando o Estado brasileiro e mostrando o descaso, a falta de competencia dos governantes do passado e presente em realizar políticas públicas para os problemas da falta de água nas torneiras dos sertanejos e moradores dos sertões.
De acordo com o então secretário executivo do Observatório das Águas, o uso de carros-pipa deveria ser pontual e apenas em situações emergenciais. No entanto, essa utilização é rotineira.
"A gente precisa entender cada situação. O melhor e mais adequado é você investir para ter água suficiente para abastecer a população. Carro-pipa é uma situação que deveria ser utilizada em situações emergenciais, de muita crise", afirmou em 2021, Ângelo Lima.
Detalhe: somente a Operação Carro-Pipa, do Exército, leva água a mais de meio milhão de pessoas em 105 cidades do estado. São 1.069 pipeiros contratados, como são chamados os trabalhadores que atuam no transporte da água.
Os versos da música do poeta, cantor e compositor Flávio Leandro, Chuva de Honestidade diz:
"Eu pensei que tivesse resolvida
Essa forma de vida tão medonha
Mas ainda me matam de vergonha
Os currais, coronéis e suas cercas
Eu pensei nunca mais sofrer da seca
No Nordeste do século vinte e um
Onde até o voo troncho de um anum
Fez progressos e teve evolução...
Dá pra ver que o desmando aqui é certo, sobra voto, mas, falta competência pra tirar das cacimbas da ciência, água doce que serve a plantação".
VOZES QUE PEDEM POLÍTICAS PÚBLICAS: A falta de água nas torneiras vem se agravando há anos. Em 1999, o então senador Ronaldo Cunha Lima declamou no plenário da Câmara Federal:
"Quando o grito de dor do nordestino
Unir-se à voz geral do desencanto,
Esse eco, de repente, faz um canto
E o canto de repente faz um hino.
E puro como um sonho de menino
Será cantado aqui e em qualquer canto,
Como símbolo, estandarte, como manto
De um povo que busca o seu destino.
Quando esse hino, pleno de ideal,
Canção de um povo em marcha triunfal,
For lançado ao sabor de seu destino
Aí se saberá sem ter espanto
Que um eco de repente faz um canto
E um canto de repente faz um hino."
Na música Vozes da Seca, anos 50, o cantor e sanfoneiro Luiz Gonzaga soltou a voz nos versos de Zé Dantas. Na época um parlamentar disse que este baião valia mais que mil discursos:
"Seu doutor, os nordestinos têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulistas nesta seca do sertão
Mas doutor, uma esmola a um homem que é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.
É por isso que pedimos proteção a vosmicê
Homem, por nós, escolhido, para as rédias do poder
Pois doutor, dos vinte estados, temos oito sem chover
Veja bem, mais da metade do Brasil tá sem comer.
Dê serviço a nosso povo, encha os rios e barragens
Dê comida a preço bom, não esqueça a açudagem
Livre assim, nós da esmola, que no fim desta estiagem
Lhe pagamos inté os juros sem gastar nossa coragem.
Se o doutor fizer assim, salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação
E nunca mais nós pensa em seca, vai dá tudo neste chão
Como vê, nosso destino, mercer tem na vossa mão!"
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