Quem, entre nós, já viu o Nego D'água?
Bebela viu, e olha que ainda na infância, quando tinha apenas 9 anos. De lá pra cá, nunca tirou das retinas, 95 anos fatigadas, essa imagem que ressignificou, transformando em visão de vida e fecunda linguagem. Professora, historiadora e folclorista, mestra da cultura popular desse meio líquido e santificado que chamamos Rio São Francisco, Maria Izabel Muniz Figueiredo, conhecia cada nuance, cada claro e escuro, sons, quereres e sabores da Juazeiro amada, da terra que ela adorava mostrar sempre por um ângulo novo. E o que via essa voz de afinação única e vigorosa? Bebela tinha os pés na contemporaneidade, os olhos na estação velha de Piranga e cuidados afetuosos com o Marco Zero. Afinal, como ela mesmo ensinou: “Se a gente não cuidar, vai acabar”.
Atriz de múltiplas faces e musicista de variado instrumental, criou grupos de teatro e corais de música. Foi radialista com foco marcante na preservação das tradições culturais da cidade. Pesquisadora da força, fé e intensidade dos costumes beradeiros, ela levou a sério e fez com que muita gente também respeitasse os Ternos de Reis, os Congos, a Festa do Divino e os Penitentes. Com igual tenacidade e firmeza de propósitos, Bebela sempre foi escolhida, e a primeira a se apresentar, quando nós da imprensa precisávamos fazer uma reportagem sobre o rico acervo de lendas que povoa nosso imaginário popular. Relicário pontuado pelos encantos e mistérios da Nossa Senhora da Rapadura, Vapor Fantasma, Minhocão, Mãe d’água, Serpente da Ilha do Fogo, Nego D'água e as carrancas que gemiam três vezes, anunciando aos barqueiros os perigos do rio. Nunca vou esquecer o dia que Bebela me ligou para ir buscar um presente: o magnífico livro de Paulo Pardal 'As Carrancas do São Francisco'. A primeira coisa que me veio à cabeça foi o ensinamento primordial que ela repetia sempre com entusiasmo juvenil e vigor filosófico: "Nao existe cultura sem memória, nem consciência de cidadão e nação sem o conhecimento histórico'".
Fonte murmurante e generosa desse 'empório do sertão do São Francisco e corte do sertão', Bebela também emprestou a pena para escrever páginas significativas em livros a exemplo de 'Lendas de Juazeiro e Cidades Ribeirinhas do Vale do São Francisco' (2011), e 'Juazeiro de Todas as Artes' (2016), este em parceria com o pastor Edmundo Isidoro dos Santos. Em maio de 1999, tive a grata alegria de publicar com ela o livro ' Memória San franciscana - 80 anos da Marinha no Vale do São Francisco e outras histórias '. Uma edição patrocinada pela TV Norte, hoje TV São Francisco. Ainda por indicação de Bebela, produzimos, com assinatura editorial da Clas Comunicação e Marketing, para a educadora juazeirense, Maria José Lima da Rocha, as revistas da 'Arquiconfraria do Coração Eucarístico de Jesus’ (2016), 'A Novena Perpétua em Juazeiro – Milagres Existem!’ (2017) e do ‘Coral Santa Cecília’, em 2019.
Neste 9 de setembro, a mãe de Fred e Fridda e mentora dos netos Layre, João Vitor, Denis Filho e Denis Flávio, se despediu, como as estrelas costumam fazer, na simplicidade da luz e no sigilo das coisas divinas. Olhando para a imensidão do universo e agradecida pela pausa de tantos compassos, Bebela pegou na mão de Nossa Senhora das Grotas e entoou a canção dos justos e limpos de coração, caminho ao Nosso Senhor Deus Pai.
Carlos Laerte
Da Redação RedeGN
2 comentários
10 de Sep / 2023 às 14h49
Bela homenagem. Bebel foi tudo isso. Até mais. Uma estrela que nos iluminou por um tempo mas deixou suas marcas indeléveis na nossa historia. Juazeiro pesarosa chora sua partida. Eu digo: valeu professora.
10 de Sep / 2023 às 17h51
Eu a conheci como Diretora do Colégio Lomanto , onde estudei por seis anos. Após alguns anos, fazendo parte do coral/teatro compartilhei da intimidade da sua casa. Momentos memoráveis: salvador, Rodelas, Caraíba, entre outros em Juazeiro e Petrolina. Obrigada Bebela por ser disseminadora da cultura e da preservação das tradições. Rogo a Deus que continue cuidando dos filhos Fred e Frida e suas famílias.